Ciranda



“Há um menino, há um moleque, aqui dentro do meu coração...” (Bola de meia, Bola de gude. Milton Nascimento). Esta é uma canção que eu adoro, e me faz refletir quem eu sou por dentro... Menino, moleque, uma criança, alguém que sempre foi travesso, aprontava, descobria, sorria. Imaginava mundos ao seu redor, acreditava que o amanhã iria ser diferente, o castigo iria embora, não teria aula, e a bola estaria sempre me esperando. Pois é, cresci! Mas ainda quero brincar na areia, e com a água transformá-lo em barro, criar castelos, cidades, países, onde todos podem viver em harmonia. Quero ser ainda o Super-Herói com sua capa tremulando com o vento, vencendo o vilão, brincando de fazer justiça. Ainda como Cheetos e Danoninho, assisto desenho animado, leio Gibi e tenho uma vontade imensa de comer algodão-doce. Mas eu cresci, e muitos familiares me julgam, por ainda fazer coisas de criança.
Mas quero voltar a ser criança, para poder brincar de ciranda, a vida era mais fácil, tinha alguém para cuidar de mim. Tudo era mais simples, a amizade era verdadeira, o mundo era mágico, tudo se parecia novo, descobríamos países, continentes, planetas, universos, galáxias. E hoje, o que descobrimos? Que a verdade não é dita, que mentir é coisa normal, passar sem cumprimentar as pessoas e ignorá-las é tão normal, deixar de fazer suas tarefas, faltar com a verdade, chegar atrasado... Mãe, mãe, preciso ser castigado por estes erros.
Quero voltar a ser criança, para poder brincar de ciranda, de queimada, pé-de-lata, caçador. Não me preocupar, além de ser feliz. Quero continuar com esta criança dentro de mim, mesmo neste corpo grande, de quase trinta anos, mas quero continuar a ser feliz. Feliz como criança que brinca com ciranda.
A idade humana, não a do corpo, ela é a da alma. Minha idade às vezes é de criança, como muitos que ainda fazem travessura com o dinheiro dos outros, fazendo-os de bobos, diante das urnas. Quando eu era pequeno, só pensava em ser gente grande, viver como gente grande, ter conversas e se vestir como gente grande. Hoje, este papo de gente grande me irrita, falam-se de falácias, mentiras e seqüestros, mas quero falar de sonhos, sorriso e projetos, como uma cantiga de ciranda, bom, quero voltar a ser criança.
Quero voltar a ser criança, para poder brincar de ciranda, sem a rotina e o cotidiano, voltar a ser feliz. Quero me balançar no balanço da praça, que hoje não existe mais. Quero correr no campo, sentir o cheiro do verde, que não tem mais como sentir. Quero pular, dançar, me divertir, sujar as roupas, sem preocupações do que os outros vão pensar sobre mim. Quero voltar a sonhar. “... ele fala de coisas bonitas que eu acredito que não deixarão de existir. Amizade, palavra, respeito, caráter, bondade, alegria e amor. Pois não posso, não devo, não quero viver como toda essa gente insiste em viver. Não posso aceitar sossegado qualquer sacanagem ser coisa normal..."
Pois é, já sou gente grande, mas dentro de mim sou criança que ainda brinca de ciranda.