
Sempre quando chegamos ao final de um ano, como este último que passou, lembramos dos mais necessitados. Ou quando chega o nosso inverno, rigoroso e castigador, lembramos principalmente daqueles que encontram na rua o seu lar, e é nestes períodos do ano que começam várias campanhas de doações, campanhas para doar aquilo que não usamos mais, aquilo que logo, logo com o passar do tempo iremos jogar fora, então, doamos aquilo que, não iremos mais fazer uso.
Bacana este ato, nos sentimos grandiosos, os verdadeiros cristãos, virtuosos. Mas questiono este tipo de ato. Doar é, o ato de doar um bem próprio; quando ‘doamos’ algo que não usamos mais, algo desnecessário, sobras, ele é considerado um bem? Esta sobra nossa, algo que por ironia do destino não teve outra finalidade (como, por exemplo, o lixo, pois se irmos até um aterro sanitário, veremos muitas peças de roupas e outras sobras nossas), este seria ainda um bem próprio nosso?
Neste último natal, percebi o que é a verdadeira doação, foi um ato simples, mas que me despertou uma grande estranheza, assim como dizia o filósofo alemão Walter Benjamim (1892 – 1940) "as doações devem atingir tão profundamente quem as recebe a ponto de causar-lhes espanto”. Nestes últimos meses conheci na cidade dois missionários norte-americanos, que passam dois anos longe de seu país de origem, longe de seus familiares. Começo a ter um laço de amizade com estes missionários, um deles conheci há uns cinco meses atrás e outro há um mês, aproximadamente.
Na véspera do natal recebi deles um presente, uma caixa de presente, com um livro de sua religião e doces importados. Espantei-me com o presente, e após percebi que, os doces recebidos eram presentes que ganharam de seus familiares dos EUA. Este ato me casou muita estranheza, pois quem hoje dividiria algo seu, um presente, com alguém que acabara de conhecer? Quem hoje dividi algo seu, não sobras, mas algo que poderia usufruir e entrega a outro?
Fiquei o feriadão do natal inteiro pensando neste pequeno gesto, foi um gesto puro e singelo, mas um ato grandioso, e quando não acreditava mais em um ato puro (até em mim não encontrava mais isso), como se fosse um milagre de natal, algo verdadeiro, cristão, humano, virtuoso, ou outra qualquer palavra com significado parecido; eu vi na humanidade a esperança, num verdadeiro ato de doar.