Por Lisi Olsen
Este resumo de pesquisa que apresento, é de natureza qualitativa, através de uma metodologia de estudo de caso analítico envolvendo a análise das possibilidades de mediações pedagógicas necessárias ao organizar uma gibiteca escolar, partindo de um estudo de caso realizado em uma escola pública do município de Canoas/ RS. O estudo ocorreu em 2019, durante o planejamento, organização e abertura de um anexo da biblioteca da escola, designado ao acervo de histórias em quadrinhos doados pelo então diretor.
O estudo partiu da seguinte problemática: quais as mediações pedagógicas possíveis e necessárias para o funcionamento de uma gibiteca escolar? A reflexão sobre a problemática ocorreu através dos seguintes objetivos específicos: (a) Compreender a gibiteca como espaço de acesso às HQs; (b) Refletir o processo de desenvolvimento da leitura através das HQs; (c) Analisar as mediações pedagógicas necessárias para potencializar a leitura desenvolvida pelas HQs. Partindo do problema-central e das observações o referencial teórico buscou contemplar conceitos sobre gibiteca, formação literária, direitos culturais e histórias em quadrinhos (HQs) em ambientes escolares. Problematizando experiências com o mundo da imaginação e encantamento e o acesso a materiais de leituras diversificados, organizados e disponíveis.
Visualizando o aluno leitor como um “[...] ser de cultura que, ao se relacionar com o mundo, aprende nos intercâmbios com seus pares e é capaz de modificá-lo [...]” (VIEIRA; FERNANDES; SILVA; MARTINS, 2008, p.12). O primeiro questionamento levantado foi o que é uma gibiteca? Compreendendo a partir de MARINO (2018) como um espaço de exposição, socialização, compartilhamento e leituras que visem experiências culturais. Nas escolas são comuns que os gibis se tornem os responsáveis pelas leituras mais leves e descontraídas. Tornam-se também “portas de entrada” aos outros portadores de leitura existentes no acervo, influenciando no contato dos leitores com estas obras, implicando em um contato mais afetivo com o espaço de leitura disponibilizado na escola. Visto que, a partir dessas leituras exposições orais de conteúdos e informações podem ser abordados de forma dinâmica e reflexiva, construindo aprendizagens (LENHARD; LIMA; OLSEN, 2018, p.120).
Ou seja, as gibitecas são um novo espaço de expressão que, pode auxiliar no processo de desmistificação do preconceito com as histórias em quadrinhos, e demais gêneros literários que são marginalizados, partindo do seu acervo para as salas de aula. Com o objetivo de “[...] oferecer ao público acesso às suas revistas favoritas, preservá-las para as futuras gerações, promover a disseminação do hábito de ler quadrinhos entre a população e incentivar novos artistas” (MARINO, 2018, p. 58). Um espaço de suma importância, visto que, para muitos dos alunos da rede pública a escola é o grande e único acesso a leitura (VIEIRA; FERNANDES; SILVA; MARTINS, 2008, p.21).
Sendo a leitura uma das principais preocupações dos professores e gestores, os acessos às HQs contemplam uma leitura que “[...] vai abranger do letramento à apropriação coletiva de sentidos” (BARI, 2018, p.132). Uma leitura que se revela ser “[...] numa relação de cumplicidade entre leitor e texto” (DUARTE; OLIVEIRA; SGARBI, 2017, p. 263). Para a formação literária “a leitura de textos literários, por exemplo, poesias, romances, crônicas, biografias, quadrinhos etc, leva, muitas vezes, a um estado de empatia, pois há espaço para o lúdico, para nossas fantasias e emoções” (DUARTE; OLIVEIRA; SGARBI, 2017, p.263). Quando a escola se mobiliza em organizar um espaço específico para as HQs, nesse caso a gibiteca, mostra que está aberta a diferentes olhares sobre a formação de leitores, confirmando que nessas “implicações com as múltiplas linguagens que a criança se constitui ativamente como sujeito singular e pertencente a um grupo social. (BRASIL, 2018, p.40).
Destacando a partir das observações que: a inserção das HQs na biblioteca gerou um aumento na procura por leitura, contudo, diferente do que esperavam as HQs da Turma da Mônica se destacaram na preferência dos alunos; a criação da gibiteca problematizou o papel desse espaço (biblioteca/gibiteca) dentro da escola; os alunos e alunas construíram vínculos com professores, livros, gibis e a leitura, através das mediações pedagógicas realizadas, porque “dentro da cultura das histórias em quadrinhos, a leitura é o ato representativo que reúne e organiza as pessoas em redes sociais distintas de estruturas sociais pré-existentes” (BARI, 2018, p.132).
As mediações pedagógicas consistiram na semana literária, com oficinas, horas do conto e culminando na inauguração da nova biblioteca e gibiteca com a presença de alunos, professores e convidados. Além das mediações contínuas onde as professoras responsáveis pela biblioteca/gibiteca estavam dispostas a aprender sobre aqueles novos portadores de leitura disponíveis. Materiais que podem auxiliar no desenvolvendo de habilidades que aproximam docentes e discentes demonstrando que a produção de conhecimento como ser trabalhada através de temáticas e projetos partindo da cultura pop, e do universo das HQs (BRAGA; MODENESI, 2015, p.22).
Mediações que ultrapassam ao desenvolvimento de simples leitores, e sim de leitores críticos, visto que, “[...] não só as histórias em quadrinhos constituem um patrimônio cultural significativo e relevante, mas, também, que o acesso a elas, e ao contexto em que são produzidas, representa um meio de exercer a cidadania em determinados espaços” (MARINO, 2018, p.27). E que vão de encontro com o que a Base Nacional Comum Curricular traz desde a educação infantil de [...] que as crianças entrem em contato com outros grupos sociais e culturais, outros modos de vida, diferentes atitudes, técnicas e rituais de cuidados pessoais e do grupo, costumes, celebrações e narrativas” (BRASIL, 2018, p. 38). Assim compreendendo que a gibiteca modifica a visão sobre os processos de leitura, exige um novo olhar sobre os processos culturais existentes na sociedade, visa democratizar o acesso às diferentes culturas.
E com essas experiências ampliar o modo de percepção de si mesmas e do outro, para desenvolver a valorização de sua identidade, respeitando e reconhecendo os seres humanos. Com a criação de uma gibiteca mais um espaço cultural estará disponível para fomentar o caráter social e proporcionar tempos e acessos a suportes de desenvolvimento da formação literária, cidadã e a reflexão de direitos e deveres. “Afinal, os Direitos culturais consistem nesta abertura para o mundo e para si mesmo; uma abertura que, processualmente, desdobra-se na promoção da cidadania e dos valores democráticos” (GRAEBIN; GRAEFF; ROSA, 2018, p.135). Um direito assegurado e ressaltado no artigo 2, inciso II, da Lei 13.696 de 12/07/2018, onde fica assegurado o reconhecimento do direito a leitura e a escrita a todos, por meio de políticas de estimulo que possibilitem condições de exercer a cidadania e assim construir uma sociedade mais justa.
Concluindo que, montar uma gibiteca e colocá-la à disposição dos leitores é só o começo das mediações pedagógicas que serão necessárias para o seu bom funcionamento: uma transformação na visão sobre cultura e leitura. A gibiteca exige um novo olhar sobre os processos culturais existentes na sociedade, visa democratizar o acesso às diferentes culturas. Criando mais um espaço cultural dentro do ambiente escolar que, precisa de fomentação cultural abrangendo a diversidade presente em nossa sociedade. Visando a gibiteca como um centro cultural dentro da escola, que precisa ser legitimado como tal, pensado para os seus leitores e sua comunidade escolar. Acrescentando a compreensão crítica sobre a criação de gibitecas nas escolas como potencializadoras de novas experiências literárias e culturais.
Referências:
BARI, Valéria Aparecida. O potencial das histórias em quadrinhos na formação de leitores: busca de um contraponto entre os panoramas culturais brasileiro e europeu.2008, 250 p. Tese de Doutorado. São Paulo: Escola de comunicações e Artes - ECA/USP, 2008. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27151/tde-27042009-121512/pt-br.php > Acesso em: outubro de 2018.
BRAGA, Amaro; MODENESI, Thiago Vasconcellos (Org.). Quadrinhos e educação: relatos de experiências e análises de publicações. Recife: Tarcísio Pereira, 2015.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – BNCC.
Brasília, DF, 2018. Disponível em:
&amp;lt;http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-
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30 jul 2020.
DUARTE, André Damasceno Brown; OLIVEIRA, Carlos Victor de; SGARBI, Paulo. As histórias em quadrinhos, sua linguagem e inserção nas práticas de ensino com TIC’s. In: SANTOS, Edméa; SANTOS, Rosemary dos; PORTO, Cristiane. Múltiplas linguagens no currículo. João Pessoa: UFPB, 2017, p.247 - 280.
GRAEBIN, Cleusa Maria G.; GRAEFF, Lucas; ROSA, Lúcia Regina L. da. Direitos culturais e educação: uma aliança necessária. SARMENTO, Dirléia Fanfa; MENEGAT, Jardelino; WOLKMER, Antonio Carlos, (Org.). Educação em direitos humanos: dos dispositivos legais às práticas educativas. Porto Alegre: CirKula, 2018. 231 p.
LENHARD, Anna Carolina. ; LIMA, Fabiani J. A. ; OLSEN, Lisiane T. D. Mafalda e as leituras do mundo: uma reflexão sobre o uso das hqs em sala de aula através de Paulo Freire. In: Larissa Tamborindenguy Becko; Iuri Andréas Reblin.. (Org.). Vamos falar sobre gibis? : Episódio 2: o retorno dos nerds. 1ed.Leopoldina: ASPAS, 2018, v. , p. 119-129.
MARINO, Daniela dos Santos Domingues; As gibitecas como polos fomentadores de cultura e de exercício da cidadania. Dissertação de mestrado em Ciências da comunicação. 2018, 148 p. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo - USP, 2018.
VIEIRA, Adriana Silene; FERNANDES, Célia Regina Delácio; SILVA, Márcia Cabral da; MARTINS, Milena Ribeiro. Organização e Uso da Biblioteca Escolar e das Salas de Leitura. In: Pró-Letramento: Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental : alfabetização e linguagem . – ed. rev. e ampl. incluindo SAEB/Prova Brasil matriz de referência/ Secretaria de Educação Básica – Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008. 364 p.
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