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Qual o lugar das HQs na educação infantil?

Por Lisi Olsen


A educação infantil, como apontam estudos e práticas, é o principal espaço de experiências e aprendizagens indispensáveis para o desenvolvimento infantil. Para muitas crianças é o primeiro contato social com diferentes pessoas fora do seu círculo familiar.


Na formação literária, a educação infantil é também em muitos casos a primeira experiência com suportes de leitura literária, visto que, a escrita e a leitura fazem parte da vida cotidiana, mas nem sempre como um hábito por lazer.

Como espaço de socialização e experiências, cabe aos educadores preparar estratégias e disponibilizar diferentes suportes de leitura apresentando seus educandos ao mundo letrado literário. Entre esses suportes vamos destacar as histórias em quadrinhos (HQs).

As HQs são suportes de leitura com uma composição híbrida entre imagem e texto (MAGALHÃES, 2003), onde ocorrem três leituras simultaneamente: leitura visual (desenhos), leitura textual (textos, onomatopeias) e leitura crítica (conexão entre os desenhos, escrita e reflexões individuais). Além de “muito antes de a criança ser alfabetizada, e ter acesso a esses meios de narrativa impressa, ela se familiariza [...] com as personagens do universo dos quadrinhos” (MAGALHÃES, 2003, p.47), pelo contato com produtos de cultura pop (desenho animado, vestuário, materiais escolares, colecionáveis, brinquedos, etc). Assim, ao apresentar as HQs para os pequenos leitores da educação infantil, o educador está lhe apresentando mais uma forma de ler o mundo através das artes sequenciais e a problematizar o consumo de cultura pop.

Contudo, essa apresentação não bastaria apenas disponibilizar o suporte de leitura, como é o caso na maioria das vezes. Por ser uma leitura complexa, e que mesmo sendo avaliada como mais fácil em comparação aos textos com somente escrita, é preciso que educador e educandos sejam preparados para esse contato. E que esse contato seja problematizado e planejado. Como mais uma tecnologia que desenvolve “empatia e comunicação rápida por via da mensagem que alia imagem e texto” (MAGALHÃES, 2003, p.49).

Da mesma forma que os livros são trabalhados com os pequenos leitores através de projetos, horas do conto e mediações literárias, as HQs necessitam de uma mediação entre suas narrativas e seus leitores. Por existirem diferentes formatos, estilos, gêneros e temáticas, esses suportes de leitura precisam estar adequados ao público destinado e fazer parte do projeto de formação literária da escola.

Os suportes de leitura mais encontrados, e talvez mais fáceis de serem inseridos num primeiro momento, são as HQs da Turma da Mônica, da MSP produções, criação do quadrinista brasileiro Maurìcio de Souza. Entre suas vastas produções podemos encontrar HQs com personagens conhecidos, narrativas lineares e voltadas ao público infantil, bem como, uma diversidade de temas que podem ser transformados em objetos pedagógicos. Entretanto, é necessário um cuidado para que essas mediações literárias não se transformem em apenas atividades pedagógicas, e seja esquecido seu potencial de incentivo à leitura e por criar o hábito de uma leitura literária por prazer.

Para os educadores que não conhecem o suporte de leitura HQs ou que ainda não sabem como mediar esse formato de leitura com os pequenos educandos a BNCC traz em suas habilidades algumas estratégias que podem ser exploradas desde os educandos bebês, em seus diferentes campos de experiência.

A seguir um breve resumo sobre como destacar o uso das HQs a partir da BNCC - educação infantil.

No campo de experiência escuta, fala, pensamento e imaginação onde:


[...] é importante promover experiências nas quais as crianças possam falar e ouvir, potencializando sua participação na cultura oral, pois é na escuta de histórias, na participação em conversas, nas descrições, nas narrativas elaboradas individualmente ou em grupo e nas implicações com as múltiplas linguagens que a criança se constitui ativamente como sujeito singular e pertencente a um grupo social. (BRASIL, , p.40)


Dessa forma, potencializando as experiências literárias partindo das curiosidades em relação à cultura escrita construindo a concepção de língua escrita, e o  conhecimento e reconhecimento de “diferentes usos sociais da escrita, dos gêneros, suportes e portadores” (BRASIL, 2018, p.40). E assim, proporcionando que o gosto pela leitura, o estímulo à imaginação e a ampliação do conhecimento de mundo sejam importantes na construção de hipóteses sobre leitura e escrita, visto que, a leitura visual predominante nesse portador de leitura facilita o reconhecimento de símbolos e o acompanhamento da sequência da história.

No campo de experiência espaços, tempos, quantidades, relações e transformações podemos destacar o trabalho com o uso das HQs visando a promoção de experiências: 


[...] nas quais as crianças possam fazer observações, manipular objetos, investigar e explorar seu entorno, levantar hipóteses e consultar fontes de informação para buscar respostas às suas curiosidades e indagações. Assim, a instituição escolar está criando oportunidades para que as crianças ampliem seus conhecimentos do mundo físico e sociocultural e possam utilizá-los em seu cotidiano.


Problematizando a partir dessas leituras de mundo e das hipóteses levantadas pelos educandos leitores a procura por se situar em diferentes espaços, tempos, mundo físico e sociocultural (BRASIL, 2018, p. 40-41). A partir dessas leituras das HQs podemos também encontrar experiências “[...] com conhecimentos matemáticos” entre os citados na BNCC: ordenação, relações entre quantidades, dimensões, medidas, comparação de comprimentos, avaliação de distâncias, reconhecimento de formas geométricas, conhecimento e reconhecimento de numerais cardinais e ordinais (BRASIL, 2018, p. 41).


No campo traços, sons, cores e formas é possível desenvolver o contato com diferentes “[...] formas de expressão e linguagens, como as artes visuais (pintura, modelagem, colagem, fotografia etc.)” (BRASIL, 2018, p.39). Ampliando a convivência com manifestações artísticas, auxiliando no desenvolvimento de suas próprias expressões, criações, produções e sendo estético crítico promovendo: 


[...] a participação das crianças em tempos e espaços para a produção, manifestação e apreciação artística, de modo a favorecer o desenvolvimento da sensibilidade, da criatividade e da expressão pessoal das crianças, permitindo que se apropriem e reconfigurem, permanentemente, a cultura e potencializem suas singularidades, ao ampliar repertórios e interpretar suas experiências e vivências artísticas. (BRASIL, 2018, p.39)


Visando educandos autores que, conheçam e possam escolher materiais, recursos e formas de expressão que mais lhe agradam e sejam pertinentes ao desenvolvimento do repertório estético e crítico. 

No campo o eu, o outro e o nós destacamos as interações entre educandos e educadores e entre os educandos durante as leituras. Explorando nessas interações  “[...] um modo próprio de agir, sentir e pensar e vão descobrindo que existem outros modos de vida, pessoas diferentes, com outros pontos de vista” (BRASIL, 2018, p.38). Através de experiências sociais prévias os educandos projetam-nas em suas leituras construindo e debatendo percepções, questionamentos e  identificando nas relações sociais e de cuidado a construção de "sua autonomia e senso de autocuidado, de reciprocidade e de interdependência com o meio” (BRASIL, 2018, p.38). 

Considerando que, com diferentes experiências literárias é possível oportunizar:


[...] que as crianças entrem em contato com outros grupos sociais e culturais, outros modos de vida, diferentes atitudes, técnicas e rituais de cuidados pessoais e do grupo, costumes, celebrações e narrativas. Nessas experiências, elas podem ampliar o modo de perceber a si mesmas e ao outro, valorizar sua identidade, respeitar os outros e reconhecer as diferenças que nos constituem como seres humanos. (BRASIL, 2018, p. 38)


Portanto, como destacado anteriormente, o uso das HQs não precisa estar isolado nas práticas de mediação de leitura, mas é uma tecnologia importante para a iniciação da  formação literária. Como suportes de leitura de fácil acesso, quando analisado partindo da aquisição de HQs da Turma da Mônica, é uma tecnologia que poderá tornar-se uma grande aliada do educador ao promover a leitura, introduzir conceitos, problematizar situações e desenvolver a leitura crítica desde a educação infantil. Lembrando que “a criança é um ser de cultura, que, ao se relacionar com o mundo, aprende nos intercâmbios com seus pares e é capaz de modificá-lo. (VIEIRA; FERNANDES; SILVA; MARTINS, 2008, p.12) Cabe ressaltar, por fim, que a exploração do uso das HQs nos diferentes campos de experiência requer mais análises, projetos e práticas para consolidar de fato a potencialidade desse suporte de leitura.


Referências:

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – BNCC.

Brasília, DF, 2018. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-

content/uploads/2018/04/BNCC_19mar2018_versaofinal.pdf>. Acesso em: 14 jan 2021.


MAGALHÃES, Claúdio M. et al. A criança e a produção cultural: do brinquedo à

literatura. Porto Alegre: Mercado Aberto, 2003. 302 p.


VIEIRA, Adriana Silene; FERNANDES, Célia Regina Delácio; SILVA, Márcia Cabral da; MARTINS, Milena Ribeiro. ​Organização e Uso da Biblioteca Escolar e das Salas de Leitura.  ​​In:​ ​​Pró-Letramento​ ​​: Programa de Formação Continuada de Professores dos Anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental : alfabetização e linguagem . – ed. rev. e ampl. incluindo SAEB/Prova Brasil matriz de referência/ Secretaria de Educação Básica – Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2008




Lisiane Teresinha Dias Olsen

Graduanda do curso de Pedagogia, pela Universidade La Salle.

Nerd, contadora de histórias e apaixonada por quadrinhos e livros!!!


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