Artigo: Os super-heróis das histórias em quadrinhos como recursos para promoção de resiliência em crianças e adolescentes em situação de risco
Para a maioria das pessoas, as histórias em quadrinhos de super-heróis se restringem apenas ao entretenimento do grande público, principalmente do público infanto-juvenil. Ao longo dos anos, tais personagens ultrapassaram as páginas das histórias em quadrinhos (hq’s) e invadiram o cinema, as séries de TV e outras animações. Segundo William Irwin, “um dos mais notáveis desenvolvimentos na cultura pop da atualidade é o forte ressurgimento do super-herói como ícone cultural e de entretenimento” (2005, p. 9). Entretanto, estas histórias em quadrinhos não são tão inocentes como aparentam, pois não trazem apenas entretenimento ao leitor. Mais do que diversão, estas histórias introduzem e abordam de forma vivida algumas questões de suma importância enfrentadas no cotidiano de pessoas “comuns”. São temas ligados à superação de adversidades, construção de identidade pessoal, elementos de ética, moral, justiça, enfrentamento de medos, de situações de violência entre outras (WESCHENFELDER, 2011).
É inegável o crescente número de pessoas
que vivem em condições desfavoráveis no Brasil e no mundo, independentemente de
idade, geografia ou densidade populacional. Por isso, muitos profissionais da
área da saúde, educação, psicologia e outras ciências afins vêm buscando
estudar recursos e possibilidades de investimento em pesquisas que tragam
conhecimento acerca de intervenções psicoeducaionais positivas. Segundo Yunes, Silveira, Juliano, Pietro & Garcia
(2013) intervenções
positivas buscam auxiliar e apoiar a procura da felicidade e do alivio de
sintomas de depressão em nível de prevenção, ou seja, significam planejar e “intervir antes que as
patologias apareçam, quando o individuo, grupo, comunidade ainda estão sãos”
(p. 231).
Um
grupo em particular que merece a atenção de investigadores refere-se às crianças e jovens que, pelas peculiaridades
destas fases de desenvolvimento, podem apresentar comportamentos, estabelecer
relações, padrões de conduta e rotinas que
(des)favorecer favorecem o desempenho do indivíduo na fase adulta
(WINDLE et al, 2004; WORLD HEALTH ORGANATION, 2004). Reiterando essa
preocupação no Brasil, o balanço mais recente do governo
(janeiro a julho/2015), revelou o registro de 66.518 denúncias de violações de
direitos humanos. Destas, 42.114 são relacionadas às violações dos direitos de
crianças e adolescentes. Assim sendo, em 63,2% dos casos, os alvos das
violações são as crianças e adolescentes que, sem sombra de dúvida, constituem
um segmento fragilizado da população brasileira. Segundo o estudo da Secretaria,
esses abusos registrados contra crianças e adolescentes estão mais concentrados
em episódios de negligência (definida como a ausência ou ineficiência no
cuidado) com 76,35%, seguida de violência psicológica com (47,76%,) violência
física (42,66%) e violência sexual (21,90%).
Estudos indicam que
crianças que sofreram abandono ou negligência dos pais, abusos e outros tipos
de violências e/ou privações apresentam taxas mais elevadas de comportamento
desajustado na fase adulta do que seus pares não-desfavorecidos (COLE, 2014;
JUFFER & VAN IJZENDOORN, 2005).
Ainda
no que se refere a esse grupo, pesquisas internacionais comprovam taxas elevadas
de: abuso de substâncias (HJERN, LIDBLAD & VINNERLJUNG, 2002), de relações
sexuais desprotegidas (THOMPSON & AUSLANDER, 2011), de absentismo escolar (CRISTIAN,
2003), de auto-mutilação (VAN DER KOLK et al., 2009), e conduta anti-social (HJERN
et al., 2002), entre outras condutas de risco. No que se refere a questões de
ordem psicológica, há evidências de
taxas mais elevadas neste grupo que incluem: transtornos de conduta (SHIN,
2005), de déficit de atenção e hiperatividade - TDAH (LEHMANN, HAVIK, HAVIK,
& HEIERVANG, 2013), baixa
auto-estima (LUKE & COYNE, 2008), e tentativas de suicídio (KEYES, MALONE,
SHARMA, IACONO, & MCGUE, 2013). Sem a intervenção adequada, tais
problemáticas poderão agravar-se ao longo da adolescência e depois na idade
adulta.
Em
resposta a isso, vários profissionais da área de saúde, educação e psicologia buscam soluções para as ameaças à
saúde mental de crianças e adolescentes em situação de risco. Nesse sentido,
projetos de intervenção com foco na promoção de resiliência devem ser
priorizados como possibilidades de prevenção.
Super
heróis, entretenimento e a vida real
O gênero super-aventura das
histórias em quadrinhos foi criado em meados da década de 1930. Desde então,
vem proporcionando entretenimento, aventura e emoção á jovens e adultos de todo
mundo (JOHNSON, 2012). Originalmente aparecendo em quadrinhos, os personagens
da Editora DC Comics, como Superman (1938), Batman (1939) e Capitão Marvel
(1940), juntamente com a Editora Marvel Comics, Capitão América (1940), Hulk
(1962), Homem-Aranha (1962), e Homem de Ferro (1963) proporcionam aventura
sobrenatural para várias gerações de crianças e jovens. Com o advento do cinema,
alguns super heróis das histórias em quadrinhos foram adaptados para a tela,
ganhando grande destaque principalmente nas bilheterias com as super-produções,
e criando um novo gênero cinematográfico. Os super heróis ganharam novos
holofotes e tornaram-se grandes destaques da cultura pop mundial.
Por
outro lado, na “vida real’ o confronto com situações de risco faz parte do dia
a dia de grande parcela da população brasileira e mundial. Adversidades são
eventos ou circunstâncias que podem ter um impacto negativo muitas vezes imensurável
sobre os indivíduos (Schmidt, 2003). Pesquisadores tratam dessa dimensão como
fatores ou mecanismos de risco (RUTTER, 1987). Para a criança em situação de
risco, as dificuldades podem se expressar em contextos proximais por vivências
de: abuso físico ou sexual, abandono da família, bullying, ou negligência física e/ou emocional. No macrocontexto as
situações de risco incluem a escassez de recursos (financeiros, educacionais,
emocionais, sociais) e de redes de apoio e proteção (Juliano & Yunes, 2014)
que podem, direta ou indiretamente ameaçar a segurança e o bem-estar da criança
e de suas famílias. Além disso, estudos clássicos demostram que o acúmulo de
adversidades (mas não a presença de um único fator de adversidade ou de risco),
está associado a taxas mais elevadas de comportamento desajustado e dificuldades
psicossociais na infância (RUTTER 1979). Conforme já ressaltado, os resultados
destas condições se expressam por taxas mais elevadas de sexo desprotegido,
abuso de drogas, evasão escolar, e agressão em crianças que vivem em
desvantagem socioeconômica, quando comparadas aos seus pares mais socialmente
favorecidos (LEHMANN et al, 2013;. REISS, 2013; SHIN, 2005; THOMPSON &
AUSLANDER, 2011).
Exemplos de Programas e Estratégias
de intervenções psicoeducacionais
Nos
EUA, um programa de tutoria vem mostrando resultados significativos e
intitula-se “Big Brother/Big Sister”. Este é um programa que atua em todos os
50 estados norte-americanos e foi fundado em 1904 para dar suporte a meninos e
meninas de baixa renda, de idades entre 6 e 18 anos de idade. O programa de
tutoria em questão, tem mostrados
resultados positivos em termos de melhorias do desempenho acadêmico e redução
de evasão escolar (TIERNEY, GROSSMAN, RESCH, 1995) bem como na redução da
ansiedade social e melhorias em habilidade sociais (DE WIT, et al., 2007).
Outro programa social em solo
norte-americano é o “Head Star”, um programa do Ministério da Saúde, Educação e
Assistência Social, que oferece educação e outros serviços abrangentes de saúde
e nutrição e que envolvem crianças de baixa renda e suas famílias. Este
programa foi criado em 1965, e sempre manteve como objetivo erradicar a pobreza
sistêmica nos Estados Unidos. É uma proposta fundamental para a qualidade da
educação pré-escolar para muitos meninos e meninas nos EUA (ZIGLER &
VALENTINE, 1979). Desde meados da década de 1960, os resultados obtidos
demonstram a eficácia das intervenções “positivas” através das avaliações (MCGRODER,
1990; US Department
of Health and Human Services. [USDHHS], 2005; USDHHS, U.S.
Administration for Children and Families, 2010; Westinghouse Learning Corporation, 1969).
Ambos
os programas, “Big Brother/Big Sister” e “Head Star” são destinados a promover
desenvolvimento de competências, habilidades sociais, bem como de estratégias de
enfrentamento para compensar as adversidades sofridas durante a infância. Os
resultados das avaliações destas intervenções demostram que entre as meninas em
situação de risco, os programas de educação sexual têm demonstrado sucesso no
aumento do uso do preservativo e redução do número de parceiros sexuais (DAVIDSON
& PHEBUS, 2013), bem como no atraso da segunda gravidez entre as mães
adolescentes (SANGALANG, BARTH, & PAINTER, 2006; SOLOMON & LIEFELD,
1998).
No
Brasil, as maiores mudanças nas concepções sobre atendimento e proteção à
infância e adolescência vieram a partir da criação do Estatuto da Criança e do
Adolescente, 1990 (ECA, BRASIL, 1990, Lei Federal n. 8.069/90) e seus
desdobramentos através de outras leis tais quais a Lei Orgânica da Saúde (LOS), a criação do
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda (Lei
Federal n. 8.242/91) e de Assistencia Social; Loas (Lei Federal n. 8.742/93),
entre outras (Perez & Passone, 2010). Sabe-se ainda da existência de alguns
Programas Nacionais, com destaque para o Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Bolsa Família que buscam promover o acesso à rede de serviços
públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social e de alguma
forma buscam combater a pobreza e desigualdade social. Entretanto, é urgente o
desenvolvimento das políticas sociais de atendimento infanto-juvenil com vistas ao desenvolvimento e efetiva implementação de Programas de
proteção à infância e à adolescência em seus diferentes contextos.
Super heróis e proteção ao
desenvolvimento na infância e adolescência: uma relação possível?
Os pacientes de uma oncologia
pediátrica de um hospital no Brasil, o Hospital A. C. Camargo Center em São
Paulo, ganharam um super ajuda no tratamento do câncer infantil, ou melhor
dizendo, ganharam uma “Super-Fórmula”.
Na
tentativa de reforçar a esperança das crianças e alimentar a sua vontade de
lutar contra o câncer (WILSON, 2013), a ala da oncologia pediátrica do hospital
A. C. Camargo Center foi transformada em a ‘Sala da Justiça’, alusão ao local
da equipe de super heróis nas histórias em quadrinhos publicadas e promovidas
pela DC Comics. Heróis como ‘Batman’, ‘Aquaman’, ‘Mulher Maravilha’, ‘Lanterna
Verde’, entre outros da ‘Liga da Justiça’ fazem muito sucesso e são amplamente
aceitos entre as crianças. A ala hospitalar foi toda redecorada: a sala de
brinquedos se transformou em Sala da Justiça e as portas e corredores foram
adesivados com a fachada apresentando uma entrada exclusiva para os pequenos
heróis (A.C. CAMARGO CENTER, 2014).
Este é um exemplo do projeto lançado
em 2013, que contempla diversas ações, criadas pela agência JWT que têm como
objetivo, dar mais leveza ao tratamento ao câncer infantil. Não foi somente a
ambientação dos espaços que foi modificada, mas os recipientes usados na
quimioterapia, que foram remodelados e ganharam uma nova roupagem, envoltos por
cápsulas baseadas nos logos dos uniformes dos super heróis.
Para ampliar a eficácia da ação, a JWT, Warner Bros., Vetor
Zero e os médicos da Pediatria do A.C.Camargo trabalham juntos na criação e
produção de uma série especial de desenhos animados e gibis, onde os próprios
heróis vivem uma história semelhante à da criança com câncer e se recuperam
através dessa Superfórmula. "O tratamento, principalmente no começo, é muito
assustador tanto para a criança quanto para a família. O projeto Superfórmula
ajuda no entendimento da doença e desperta nas crianças e adolescentes ainda
mais forças para enfrentar a dor e superar os problemas ao longo do tratamento
para, ao final, ficar bem. Os pacientes são os verdadeiros super-heróis, e seu
poder é acreditar na cura", afirmou Cecília Lima da Costa, diretora de Oncologia Pediátrica do A.C.Camargo (A.
C. CAMARGO, 2014).
Poder-se-ia afirmar que usar os
super-heróis neste projeto tem como objetivo implícito, “promover expressões de resiliência” nas
crianças que sofrem com a doença, trazendo os personagens como modelos de
enfrentamento vitorioso da dor e do sofrimento. O uso dos super heróis nos
medicamentos, traça paralelos entre as batalhas dos personagens contra o mal e
a batalha da própria criança contra o câncer. Esta abordagem aplica de forma
positiva, a sugestão ou a ideia de “invencibilidade”, na medida em que a
criança pode se inspirar no modelo do super herói e na sua super-potência. O
resultado passa a ser o empoderamento psicológico desta criança, conforme
alguns relatos evidennciaram. Dessa maneira, ‘convence’ a criança que, assim como o super herói, ela/ele, também tem
poderes para enfrentar qualquer desafio, assim como a batalha contra sua
doença.
O que é resiliência?
Muitos
estudos teóricos e metodológicos vêm sendo publicados ao longo de pouco mais de
30 anos sobre o conceito de resiliência na perspectiva de fenômeno humano.
Entretanto, o construto e suas definições ainda permanecem desafiadores para os
cientistas sociais contemporâneos. Apesar das controvérsias, há relativo
consenso quanto ao fato de que resiliência refere-se a um conjunto de processos
de vida que possibilitam o enfrentamento de situações de sofrimento com
consequente fortalecimento, transformação pessoal/coletiva/cultural e superação
das adversidades (YUNES, 2015). Entretanto, isso não significa afirmar que
pessoas ou grupos passam por sofrimentos de
forma passiva e inabalável, como sugeriam os termos precursores: invulnerabilidade
ou invencibilidade (ANTHONY & COHLER, 1987). Ao
contrário, uma das mais relevantes contribuições dos
trabalhos sobre resiliência é a de “trazer luz às metamorfoses pessoais e
sociais que resultam em vida saudável e acima das expectativas em situações de
extrema adversidade” (YUNES, 2015).
Inicialmente,
as pesquisas sobre resiliência focavam predominantemente o indivíduo e postulavam
convencionalmente a resiliência como algo “a
priori”, tais como, capacidades, traços ou disposições individuais diante
de situações de adversidades. Paralelamente,
foram surgindo novas concepções de resiliência como processo e sistema de
adaptação (MASTEN, 2001; Rutter, 2008; LUTHAR, YUNES, 2007, entre outros) às
circunstâncias da vida. Outros pesquisadores passaram a dar mais ênfase para o
estudo destes processos e percepções de resiliência analisados através de
elementos qualitativos de experiências de vida e compreendidos sob a ótica
sistêmica com foco na unidade familiar e parental (RODRIGO & MAIQUEZ, 2007;
RODRIGO, MAIQUEZ, MARTIN & BYRNE, 2008; RODRIGO, 2009; WALSH,
2005).Importante ressaltar que as complexidades do fenômeno e as dificuldades
conceituais (MARTINEAU, 1999; UNGAR, 2004a, 2004b, 2004c; UNGAR et al., 2007;
YUNES, 2003, 2007 entre outros) ou metodológicas e de aplicabilidade do termo vêm sendo
apontadas por muitos pesquisadores que questionam as formas de adjetivação e opõe-se fortemente à quantificação dos
"mais/muito resilientes" e "menos/pouco resilientes" (YUNES,
2007). Entretanto, fica clara a necessidade de investigar e sopesar a interação
entre condições de risco e de proteção que tem como resultado expressões ou
manifestações de resiliência.
No
caso das crianças em situações de risco ou desfavorecidas social e
economicamente, os estresses e adversidades podem vir na forma de: ausência
parental ou de cuidadores, abuso intra ou extra familiar (sexual, emocional,
físico), escassez de recursos materiais e sociais (pobreza e privação social),
e o bullying na escola ou fora da escola, para citar alguns. Dentro desse
grupo, a construção de elementos de resiliência
pode assumir a forma de: promoção de relações positivas; apoio interpessoal;
interações significativas; ordem, rotina, supervisão e disciplina; e tarefa de
conclusão; todos os fatores associados à capacidade positiva de lidar com o
estresse e adversidade (MASTEN, 1994; NETTLES & PLECK, 1993; RUTTER, 1987;
ZHANG, DEBLOIS, DENIGER, & KAMANZI, 2008).
Portanto,
apesar de resiliência já ter sido considerada a manifestação de um traço ou
atributo do indivíduo, atualmente é considerada como um ou mais processos
(RUTTER, 2008) que se expressam em diferentes contextos e ambientes por uma
multiplicidade de formas. Alguns cientistas enfatizam a noção de capital social
e seu papel dentro do processo (por exemplo, ZHANG et al., 2008), usando termos
como “tutores de resiliência” (CYRULNIK, 200..).Outros enfatizam a noção de
ambientes interativos, todos afetando e afetados uns pelos outros
(BROFENBRENNER, 1979; SHAND, 2014).
Super Heróis e o paralelo com a vida
real
O
termo crianças em situações de risco vem sendo aplicado a crianças e
adolescentes que vivem em situação de pobreza e / ou sofrendo privação,
negligência e / ou abuso. Para efeitos deste artigo, o termo também inclui
crianças órfãs e vulneráveis (COV) de todas as faixas socioeconômicas, que sofrem desde estágios prematuros na infância, a
ausência de amor, proteção, apoio e orientação dos adultos significativos (pais
ou responsáveis, cuidadores, professores, etc|),. Sabe-se que as crianças em
situações de risco apresentam maiores probabilidades de problemas comportamentais
e psicossociais (JUFFER & VAN IJZENDOORN, 2005; LEHRMANN et al, 2013;. REISS,
2013; SHIN, 2005). Assim, este artigo busca investigar a relação entre as
adversidades vividas por este grupo de risco e as histórias de vida ficcional
dos super heróis dos quadrinhos com suas adaptações para o cinema. A hipótese a
ser pesquisada é de que há semelhanças a serem descobertas entre a vida dos
super heróis e a vida real de crianças e jovens que experienciam diferentes
situações de risco. Tais similitudes, podem ser de grande valor como recurso
para os programas de educação ligados a área de saúde, ensino, assistência
social e planejamento de políticas públicas.
Conforme
demonstrado anteriormente na sessão anterior, a área da saúde já vem usando
estas concepções para trabalhar com certas populações de crianças em situação
de fragilidade física e emocional e emprega o símbolo dos super heróis como uma
ferramenta de empoderamento para incentivar o enfrentamento do sofrimento
causado por doenças graves. De uma certa forma, isso demonstra que os
personagens são projetados como modelos de superação, e as crianças inspiram-se
nos mesmos para superar suas doenças (WILSON, 2013; A. C. CAMARGO, 2014).
A
literatura científica não apresenta pesquisas a respeito dos dados acima
relacionados. Tampouco consta na literatura científica que tenham sido
examinados os paralelos entre as adversidades da vida real de crianças e jovens
desfavorecidos (por exemplo, abandono, abuso e etc.), e as histórias de vida
ficcionais vividas pelos super-heróis, especialmente no estágio anterior à
transformação desses personagens heróicoscuja transformação representadas por
suas ‘capas e máscaras’ transparecem ser o sinal de força para combater o crime
e o mal. Tal fato leva a questionar
quais seriam as implicações clínicas, sociais e educacionais dessas semelhanças
para a construção de programas de apoio e educação social em diferentes
ambientes educativos.
O
estágio ‘Pré-Capa/ Pre-Máscara’ dos super heróis
Nessta
sessão, será realizada uma análise da fase da vida dos personagens super
heróicos antes de vestirem suas fantasias e capas, ou seja, antes de se
tornarem os super heróis como são
conhecidos. As expressões “Pre-Cloak”/Pre-Mask
ou “Pré-Capa/Pré-Máscara”, na tradução literal, foi criada pelos autores
deste texto para fazer referencia a este período da vida do personagem
ficcional super heróico. Isso quer dizer que, como todos os indivíduos na vida
real, os super heróis apresentam momentos de desenvolvimento na sua vida
ficcional, durante os quais eles (as) não desempenhavam funções heroicas. Este
estágio foi objeto de análise desse momento do artigo.
Como destacado anteriormente, não há
estudos sobre a relação da vida ficcional dos super heróis e as reais
adversidades sofridas por crianças e adolescentes. Pouco se enfatiza sobre esta
fase que antecede os acontecimentos e feitos super heroicos e que podem revelar
uma vida complicada experienciada por
estes personagens. No entanto, pode-se encontrar dados que são referidos pela
literatura de vários campos do conhecimento.
O que foi determinado como a fase
“Pre-Cloak/Pre-Mask”, se refere ao estágio de desenvolvimento do personagem
antes da sua estreia como um super herói fantasiado. Em muitos personagens, é
nessa fase que acontece algo que faz futuramente com que eles se transformem,
dando um salto de positividade no seu desenvolvimento pessoal. Em muitas
histórias, os personagens sofreram alguma adversidade, seja na infância ou
juventude. E, de acordo com o desenrolar das histórias, essas adversidades parecem fazer com que
estes personagens se desenvolvam diferentemente após o trauma sofrido. Neste
aspecto, Boris Cyrulnik afirma que:
O
trauma torna-se então um novo organizador do eu em torno do qual os esforços e
os sonhos constroem uma curiosa mentalidade. O desenvolvimento já não é normal,
pois houve uma catástrofe. Por vezes, a personalidade se orienta para uma
psicopatia ou uma depressão recidiva. Mas muitas vezes nota-se um
neodesenvolvimento que contém, na alma, a fúria de contas a acertar e uma
fascinação pelos acontecimentos que evocam a ferida passada. Nota-se o
surgimento de um estranho valor, uma coragem mordida que dá sentido ao
sofrimento e o transcende, tamanha a necessidade de o ferido pensar em dias
melhores (2009, p. 34).
Esta dimensão teórica leva a
considerar que o personagem super herói pode ser um modelo de resiliência, pois ele se transforma e torna-se
habilidoso para superar as suas adversidades,
transcendendo-as. Esse processo é fundamental para a construção e
desenvolvimento dos personagens. Joseph Campbell (2008), refere-se a estes
momentos como iniciação enquanto Michel
Rutter faz referência ao “ponto de virada” (1987). Independentemente de
nomenclaturas, há um momento que é
monumental para os super heróis das histórias em quadrinhos e também pode vir a
ser para a criança em situação de risco, podendo assim, tornar-se um marco de
desenvolvimento.
Para ilustrar a análise realizada,
foi criada uma tabela (Tabela 1), para demonstrar que algumas adversidades
ocorreram na vida ficcional denominada “Pré-Cloak” dos personagens. Para
efeitos deste artigo, uma indexação detalhada de super-heróis foi conduzida. No
processo de sistematização dos dados, foram computados os super-heróis mais
relevantes, em termos de visibilidade da cultura pop, de popularidade, e de “resistência”
ao longo do tempo. A partir das editoras DC / Marvel, uma amostra dos 20 super
heróis mais influentes foi derivada. Para tal, os ganhos financeiros de
bilheteria dos filmes foram utilizados como
parâmetro de influência. Conforme apresentado na tabela abaixo, esta
amostra fornece a base para o corpo deste artigo.
Tabela
1
Demografia dos super
heróis
|
|
|
|
|
Filmes lançados |
|
Personagem |
Adversidade (Idade) |
Surgimento |
Editora |
Filmes |
Ano |
Faturamento (U$)* |
|
|
|
|
|
|
|
Homem Aranha |
Órfão (6) |
1962 |
Marvel |
5 |
2002-2014 |
$3,640,124,460 |
Tio assassinado
(15) |
||||||
Bullying (6) |
||||||
Limitações
econômicas (6) |
||||||
Batman |
Órfão (11) |
1939 |
DC |
7 |
1989-2012 |
$3,640,124,460 |
Família assassinada
(11) |
||||||
Homem de Ferro |
Órfão (21) |
1963 |
Marvel |
4 |
2008-2013 |
$2,679,317,397 |
Pai assassinado
(21) |
||||||
Seqüestrado (23) |
||||||
Superman |
Órfão (0) |
1938 |
DC |
6 |
1978-2013 |
$1,543,162,077 |
Abandonado (0) |
||||||
Amigo ferido (15) |
||||||
Capitão América |
Bullying (6) |
1941 |
Marvel |
3 |
2011-2014 |
$1,339,423,196 |
Infância frágil e
doente (0) |
||||||
Limitações
econômicas(0) |
||||||
Thor |
Exilado (17) |
1962 |
Marvel |
3 |
2011-2013 |
$1,119,586,743 |
Memória apagada
(17) |
||||||
Wolverine |
Órfão(8) |
1974 |
Marvel |
7 |
2000-2014 |
$1,037,418,854 |
Pais
assassinados(8) |
||||||
Usado como cobaia
em experimento (~25) |
||||||
Amnésia (~25) |
||||||
Hulk |
Abandonado (8) |
1962 |
Marvel |
3 |
2003-2012 |
$763,557,890 |
Mãe assassinada(8) |
||||||
Acidente com
radiação em laboratório(26) |
||||||
Motoqueiro Fantasma |
Órfão(13) |
1972 |
Marvel |
2 |
2008-2012 |
$361,302,323 |
Fez pacto com o
diabo (15) |
||||||
Charles Xavier |
Pai assassinado(5) |
1963 |
Marvel |
5 |
2000-2014 |
$308,485,098 |
Mãe estuprada pelo
padrasto(9) |
||||||
Paralítico (25) |
||||||
Viúva Negra |
Abandonada (3) |
1964 |
Marvel |
3 |
2010-2014 |
$302,375,422 |
Gavião Arqueiro |
Pais
assassinados(8) |
1964 |
Marvel |
2 |
2011-2012 |
$254,769,850 |
Órfão (8) |
||||||
Green Lantern |
Órfão (8) |
1940 |
DC |
1 |
2011 |
$219,851,172 |
Demolidor |
Órfão (18) |
1964 |
Marvel |
1 |
2003 |
$179,179,718 |
Cegueira(11) |
||||||
Mercúrio |
Órfão (0) |
1964 |
Marvel |
1 |
2007 |
$106,577,957 |
Abandonado (1) |
||||||
Fugitivo (17) |
||||||
Mulher Gato |
Órfão (2) |
1940 |
DC |
1 |
2004 |
$82,102,379 |
Ladra(10) |
||||||
Justiceiro |
Família
assassinada(30) |
1974 |
Marvel |
2 |
2004-2008 |
$64,800,141 |
Surfista Prateado |
Órfão(14) |
1966 |
Marvel |
1 |
2007 |
$57,809,553 |
Fugitivo (18) |
||||||
Falcão |
Família assassinada
(19) Criminoso(20) |
1969 |
Marvel |
1 |
2014 |
$47,605,572 |
Rorschach |
Abandonado (0) |
1986 |
DC |
1 |
2009 |
$30,876,497 |
Bullying(6) |
||||||
Mãe: prostituta (0) |
* Faturamento (US$), ganhos brutos mundiais em US$
incluindo ganhos proporcionais dos seguintes filmes conjuntos de Super Heróis,
divididos entre os principais personagens: X-Men (2000), X-Men 2 (2003), X-Men:
O Confronto Final (2006) , Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado (2007),
Watchmen (2009), Homem de Ferro 2 (2010), Thor (2011), X-Men: First Class
(2011), Vingadores (2012), X-Men: Dias de Future Esquecido (2014), Capitão
América: O Soldado Invernal (2014).
A
Tabela 1 acima, demosntra que os super
heróis viveram adversidades na fase de “Pré-Cloak/Pre-Mask” de suas vidas.
Esses estressores incluem experiências negativas do tipo: orfandade
(Homem-Aranha, Superman, Batman), o abandono pela família (Hulk, Superman,
Viúva Negra), o assassinato de parentes (Homem-Aranha, Batman), limitações
econômicas (Capitão América, Homem-Aranha), seqüestro (Homem de Ferro) e
Bullying (Homem-Aranha, Capitão América), para citar apenas alguns. Portanto, a
análise da referida tabela evidencia que muitos dos super heróis foram
submetidos a múltiplas adversidades que traduzem as lutas e o sofrimento que
muitos adolescentes e crianças enfrentam (RUTTER, 1979).
Análise
das adversidades vividas por super heróis na fase “Pré- Cloak”
Com
base na amostra de 20 super heróis que além de circularem em diferentes meios
de comunicação, foram adaptados para o cinema e estão incluídos na Tabela 1, foram
calculadas as prevalências de adversidadesvividas por estes personagens. Como
não havia uma ampla gama de variabilidade na influência entre a amostra (com
influência aproximada por ganhos brutos das bilheterias), a ponderação foi
empregada para os cálculos. A Figura 1 apresenta essas prevalências ponderadas
das adversidades na infância entre os 20 super heróis citados na Tabela 1,
antes de sua fase “Pré-Cloak.
A
Figura 1 abaixo demonstra que, dos 20 super heróis apresentados na Tabela 1, 80%
são órfãos; 86% já eram órfãos ou foram abandonados; 49% teve pelo menos um dos
pais assassinados; 15% foram seqüestrados; 29% sofreram bullying; e 29%
sofreram com pobreza ou limitações socioeconômicas. Foram detectadas ainda
adversidades isoladas tais quais: ser portador de deficiências como cegueira
(1%), ser cobaia humana em experiências científicas (6%), ter a mãe estuprada
pelo padrasto (1%), e atividade no crime (2%). Além dessas adversidades
isoladas serem consideráveis e agravantes, deve-se ressaltar o estresse cumulativo
de múltiplas adversidades já referido anteriormente (Rutter, 1979; Masten, 2014)
que ocorreu com freqüência entre os 20 super heróis examinados (por exemplo,
Homem-Aranha, Batman, Homem de Ferro). Isso quer dizer que os personagens
sofriam não apenas com uma situação de risco, mas com mais de uma ao mesmo
tempo.
A
natureza das adversidades dos super heróis na fase “Pré-Cloak/ Pre-Mask” apresentados
na Tabela 1 e Figura 1 compartilham uma afinidade com um subgrupo de crianças
desfavorecidas socialmente e em situação de risco que são: as crianças órfãs e
abandonadas.
Figura 1
Dentro
desse subgrupo pode-se encontrar diversas variações que, no entanto acabam
levando crianças e adolescentes para situação de institucionalização ou
acolhimento e suas consequências no desenvolvimento.
No
contexto deste trabalho, a categoria de crianças institucionalizadas se refere
a crianças que vivem em instituições de acolhimento, separadas de seus
responsáveis. Estas crianças e adolescentes, freqüentemente já experimentaram o
abandono, e/ou em muitos casos a perda de um responsável legal (TAUSSIG, 2002).
Além disso, muitos são colocados em instituições devido a constatações de abusos
ou negligências por parte de seu responsável. Algumas vezes, estas experiências
resultam em problemas comportamentais e psicossociais (CICCHETTI & LYNCH, 1993).
Em
um estudo brasileiro sobre a saúde psicossocial de crianças
institucionalizadas, os autores encontraram uma maior freqüência de eventos de
vida negativos relatados pelas crianças institucionalizadas do que pelos seus
pares não institucionalizados (WATHIER & DELL'AGLIO, 2007). Os autores
também descobriram que esses eventos negativos associados aos escores significativamente
mais elevados nos Inventário de Depressão Infantil entre as crianças
institucionalizadas, sugeriu que este grupo é mais vulnerável à depressão do
que os seus pares não institucionalizados. Estas descobertas são significativas
na amostra como um todo, e para os quatro subgrupos com base no gênero (m, f),
e idade (7-11, 12-17).
Na
literatura, a categoria de Crianças Órfãs e Vulneráveis descreve crianças como
por exemplo na África sub-saariana, órfãs devido à epidemia da AIDS (SKINNER et
al., 2004). Além da perda dos pais, muitas destas crianças são vítimas da
"pobreza, da fome, da falta de acesso aos serviços, roupa ou abrigo
inadequada, superlotação, responsáveis deficientes" (SKINNER et al., 2006,
p. 619). Além disso, muitos também são vítimas da "deficiência, da
experiência direta de violência física ou sexual, ou doenças crônicas
graves" (SKINNER et al., 2006, p. 619).
Órfão
segundo a definição do dicionário português, é aquele que
perdeu os pais ou um deles; o que perdeu um protetor, ou quem lhe era querido
(MICHAELIS, 2014). Segundo a UNICEF
(2004) órfão é definido
como indivíduo menor de
18 anos que
a mãe ou o
pai (ou ambos) morreram.
Há
discussões amplas a respeito da definição de orfandade, segundo Ferrara (2009),
que vem reafirmar que, órfãos são menores de 18 anos que perderam um ou ambos
os pais biológicos, que são vistas pelos órgãos internacionais como,
inevitalmente, sem lar ou família e susceptíveis a comportamentos anti-sociais
e criminais. Mas, “ao contrário dos esterioótipos que circulam sobre as
implicações da orfandade para crianças, a maioria dessas não vive sem a
presença de um adulto, sem cuidado, suporte, supervisão ou socialização
(MEINTJES e GIESSE, 2006 aput FERRARA,
2009). Entretanto, para os autores desse texto, a orfandade transcende a
presença ou não de cuidadores, mas vincula-se mais a presença ou não de
elementos de proteção para uma infância
e adolescência saudável com os
recursos materiais e psicológicos necessários.
O
argumento que se busca neste dialogo com a ficção é que a natureza das adversidades
dos personagens heroicos no estágio de vida “Pré-Cloak/ Pre-Mask” apresentados
na Tabela 1 e na Figura 1 parecem estas altamente sintonicos com aquelas
experimentadas por crianças e adolescente em situação de acolhimento por serem órfãos,
abandonados ou abusados de alguma maneira em seus direitos fundamentais que no
Brasil são expressamente reconhecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(Brasil, 1990). Este paralelo demonstra haver consistências nas possibilidades
de respostas ás nossas reflexões e que
apresentamos a seguir:
1.
No que diz respeito a paralelos entre adversidades vivenciadas por crianças em
situações de risco (por exemplo, abandono, negligência, abuso psicológico,
físico ou sexual) e as adversidades vividas por personagens ficcionais como os
super heróis no “Pré-Cloak” exemplificados por abandono, perdas, violências),
nossos resultados sugerem que há um
paralelo. No entanto, é uma condição que que pode se aplicar mais fortemente
para o subgrupo de crianças carentes por orfandade ou abandono das famílias.
2.
Em relação à sobreposição entre as adversidades vividas por crianças
desfavorecidas e as adversidades vividas pelos super heróis na fase de
desenvolvimento denominada por nós, autores como“Pré-Cloak/Pre- Mask’, os
nossos resultados sugerem que condicionalmente esta sobreposição existe. É
condicional posto que a sobreposição mais pronunciada nas adversidades estaria
entre o subgrupo de crianças carentes que são órfãs ou abandonadas por suas
famílias.
3.
O que as relações acima podem significar? Estes resultados sugerem que existem
adversidades compartilhadas entre certos subgrupos de crianças desfavorecidas e
super heróis no estágio “Pré-Cloak/ Pre-mask”. E ao que tudo indica, esse é um recurso
ainda inexplorado por muitas áreas de conhecimento.
Implicações
O
referido recurso ainda não explorado sobre as interfaces das adversidades
comuns entre certos subgrupos de crianças em situações de acolhimento ou outros
riscos psicossociais e os super heróis no estágio “Pré-Cloak/Pre-Mask’ parece
apresentar potencial para capacitação e construção de expressões de resiliência.
Para os clínicos que trabalham com crianças órfãs, abandonadas, deprovidas de
atenção psicossocial, a história comum que existe entre Homem-Aranha e a vida da
criança sob este risco, pode ser usada para informar à criança que ele ou ela
não são únicos e não são tão somente vítimas, o que pode aumentar o capital
social. Por exemplo, o personagem Homem Aranha lutou com os mesmos problemas de
muitas crianças que vivem em instituições de acolhimento (ausência dos pais, bullying).
Para essa criança, esse conhecimento pode reduzir a sensação de isolamento e
impotência, e criar um sentido de terreno comum, associado ainda a um
sentimento de fazer parte de uma comunidade de “fortes” e “vencedores”. Os
personagens das histórias em quadrinhos podem assim, vir a ser modelos
inspiradores de superação e resiliência.
Para
os educadores, o conhecimento da história comum que existe entre os super
heróis e as crianças menos favorecidas socialmente, podem ser tecidas em lições
para informar e criar um diálogo sobre a diversidade, tolerância e
fraternidade. Para um estudante em situação não-desfavorecida ser lembrado
sobre as adversidades enfrentadas pelos super heróis, e as semelhanças entre as
dos colegas em estado de risco, pode plantar as sementes de empatia e
tolerância, e na melhor das hipóteses, reduzir episódios de bullying no
ambiente escolar.
Contextos de aplicação da ideia
‘Pré-Cloak/Pre-Mask’
É
necessário prosseguir com estudos empíricos para quantificar e qualificar o
potencial desses achados de adversidades comuns entre crianças desfavorecidas
socialmente e os super heróis em seu estágio “Pré-Cloak/´Pre-Mask”. O objetivo
de tal estudo, além de quantificar o potencial das descobertas neste trabalho,
seria estudar um cenário de base interventiva para a construção de resiliência
entre este grupo de risco.
Para
o clínico ou cuidador profissional, promoção de resiliência pode significar o
momento de empoderamento na vida dos super heróis. Como visto na Figura 2, logo
abaixo, este momento marca o fim da fase
“Pré-Cloak” (pré-capa), ou seja, conforme a metáfora usada por Campbell,
seria o estágio no qual o profissional passa/oferece simbolicamente a “capa”
para a criança ou adolescente e facilita para que ele/ela “voe” pelos caminhos
de sua própria vida com seus planos futuros (CAMPBELL, 2012). Para Superman,
este é o momento em que Clark Kent veste seu traje e sua capa, e emerge da
cabine telefônica super-empoderado. Para a borboleta, este é o momento em que
sai da crisálida, abre suas asas e voa pela primeira vez. No mundo de seres
humanos, sabe-se que estes momentos são relacionais ou seja, é importante a
presença de um outro significativo que neste caso pode ser um profissional
(YUNES et al, 2013)
Considerações Finais
Possibilitar
que crianças e adolescentes em situações de risco psicossocial tenham
oportunidades justas de desenvolvimento é a meta que desejamos alcançar. É
importante que pesquisadores, profissionais da área da saúde, pais, educadores,
etc. se esforcem para dar a todas as crianças uma oportunidade justa de
desenvolvimento saudável. Porém, os recursos sociais na maioria das vezes não
são ofertados de forma justa. Algumas crianças crescem em famílias estáveis e
amorosas; enquanto há outras, que nunca puderam sentiram a presença de alguém
que, como diria Bronfenbrenner, seja “louco por ela” (BRONFEBRENNER, 1991).
Para pesquisadores da área de saúde e da educação, estas crianças podem estar
em condições de risco, pelo “simples” fato de não terem pessoas que as
compreendam como “seres em desenvolvimento e pessoas-em-contextos”
(Bronfenbrenner, 1996).
Os recursos inexplorados das
adversidades comuns entre super heróis no estágio “Pré-Cloak/Pre-Mask” e as vidas das crianças em situações de risco,
ou desfavorecidas, merecem considerações cautelosasda comunidade científica. Para
muitos cientistas e profissionais de saúde, a noção de empregar-ícones ou
ícones da cultura pop como os personagens dos quadrinhos, pode ser considerado
um assunto pouco academico! Pode até parecer incongruente com ideais e rigores
de investigação adequada. Porém, esta ideia não condiz com a realidade das
crianças e adolescente e deve ser mais explorada cientificamente para gerar
intervenções positivas e promotoras de saúde e desenvolvimento humano.
Na verdade, as disparidades
compartilhadas entre esses dois grupos (super heróis “Pré-Cloak/Pre-Mask”;
crianças desfavorecidas em situações de risco) podem ser a chave para o
empoderamento destas crianças que vivem essa multiplicidade de sofrimentos. Entretanto,
as reflexões indicam que ainda há muita investigação futura a ser realizada antes de qualquer constatação
precipitada.
Bibliografia
American Psychological Association. (2014). The Road to Resilience. Retrieved from http://www.apa.org/helpcenter/road-resilience.aspx
Antunes, C. (2011). Resiliência:
A construção de uma nova pedagogia para a escola
pública de qualidade.
Petrópolis,RJ: Vozes.
A. C. Camargo Center. (2014). Superfórmula para combater o câncer.
http://www.accamargo.org.br/superformula/
Bronfenbrenner, U. (1979). The ecology of human development: experiments by nature and design.
Cambridge, MA: Harvard University Press.
Campbell, J. (2008). The hero with a thousand faces (Vol. 17). Novato, CA: New World
Library. (Original
work published 1949).
Campbell,
J. (2012). O poder do mito. São
Paulo: Palas Athena.
Christian, S. (2003). Educating children in foster care: Children's Policy Initiative: A
Collaborative Project on Children and Family Issues. Washington, DC:
National Conference of State Legislatures.
Cicchetti, D., & Lynch, M. (1993). Toward an ecological/transactional model of
community violence and child maltreatment: Consequences for children's
development, Psychiatry, 56,
96-118.
Clausen, J. M., Landsverk, J., Ganger, W., Chadwick,
D., & Litrownik, A. (1998). Mental health problems of children in foster
care. Journal of Child and Family
Studies, 7, 283-296.
Cole, L. D. (2014). California welfare and institutions code § 369.5 authorization of
psychotropic medication to California's dependent children A policy analysis
(Doctoral dissertation). Retrieved from ProQuest Dissertations and Theses.
(Accession Order No. 1527687).
Cyrulki, Boris, (2009). Autobiografia
de um espantalho.
São Paulo: Martins Fontes.
Davidson, D., & Phebus, T. (2013). Teen Pregnancy Prevention Program Year Three
Outcome Evaluation Report for the Southern Nevada Health District. Las
Vegas, NV: Nevada Institute for Children’s Research and Policy.
De Wit, D. J., Lipman, E., Manzano-Munguia, M.,
Bisanz, J., Graham, K., Offord, D. R., … & Shaver, K. (2007). Feasibility
of a randomized controlled trial for evaluating the effectiveness of the Big
Brothers Big Sisters community match program at the national level. Children
and Youth Services Review, 29,
383-404.
Ferrara, A. P.
(2009). Orfandade e estigma: vivências de
jovens órfãos em decorrência da AIDS. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São
Paulo, SP, Brasil.
Hjern, A., Lindblad, F., & Vinnerljung, B. (2002).
Suicide, psychiatric illness, and social
maladjustment in intercountry adoptees in Sweden: a cohort study. The Lancet, 360, 443-448.
Johnson, J. K. (2012). Super-history: Comic Book Superheroes and American Society, 1938 to the
Present. Jefferson, NC: McFarland.
Juffer, F., & van IJzendoorn, M. H. (2005). Behavior problems and mental health
referrals of international adoptees: a meta-analysis. Jama,
293, 2501-2515.
IRWIN, W. (2005). Super
– Heróis e a Filosofia:Verdade, justiça e o caminho
socrático. Tradução: Marcos Malvezzi
Leal. São Paulo: Madras.
Keyes, M. A., Malone, S. M., Sharma, A., Iacono, W.
G., & McGue, M. (2013). Risk of suicide attempt in adopted and nonadopted
offspring. Pediatrics, 132, 639-646.
Lehmann, S., Havik, O. E., Havik, T., & Heiervang,
E. R. (2013). Mental disorders in foster children: a study of prevalence,
comorbidity and risk factors. Child and
Adolescent Psychiatry and Mental Health, 7, 39-39.
Luke, N., & Coyne, S. M. (2008). Fostering
self-esteem: exploring adult recollections on the influence of foster parents. Child & Family Social Work, 13,
402-410. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2206.2008.00565.x
Masten, A. S. (1994). Resilience in individual
development: Successful adaptation despite risk and adversity. In M. C. Wang
& E. W. Gordon (Eds.), Educational
resilience in inner-city America: Challenges and prospects (pp. 1-25).
Hillsdale, NJ: Erlbaum.
Masten, A. S. (2014)
McGroder, S. (1990). Head Start: What do we know about what works? Report prepared for
the U. S. Office of Management and Budget. Retrieved from http://aspe.hhs.gov/daltcp/reports/headstar.pdf.
Michaelis.
(2011). Dicionário prático língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos.
Nair, G. (2011). Sharing the micro
level experience of project Bharat empowered in resilience. International NGO Journal, 6, 079-085.
Nettles, S. M., & Pleck, J. H. (1993). Risk, resilience, and development: The
multiple ecologies of black adolescents. Center for Research on Effective
Schooling for Disadvantaged Students. Baltimore, MD: John Hopkins University.
PEREZ , J. R. R.
& PASSONE, E. F. (2010). POLÍTICAS SOCIAIS DE ATENDIMENTO ÀS CRIANÇAS E
AOS ADOLESCENTES NO BRASIL,
Cadernos de Pesquisa, v.40, n.140, p. 649-673.
Reiss, F. (2013). Socioeconomic inequalities and
mental health problems in children and adolescents: a systematic review. Social Science & Medicine, 90,
24-31.
Rutter, M. (1979). Protective factors in children’s
responses to stress and disadvantage. In M. Whalen & J. E. Rolf (Eds.), Primary prevention of psychopathology: Vol.
3. Social competence in children (pp. 49-74). Hanover, NH: University Press
of New England.
Rutter, M. (1987). Psychosocial resilience and
protective mechanisms. American Journal
of Orthopsychiatry, 57, 316.
Rutter, M. (2008). Developing concepts in
developmental psychopathology. In J. J. Hudziak (Ed.), Developmental psychopathology and wellness: Genetic and environmental
influences (pp. 3-22). Washington, DC: American Psychiatric Publishing.
Sangalang, B. B., Barth, R. P., & Painter, J. S.
(2006). First-birth outcomes and timing
of second births: A statewide case management program for adolescent mothers.
Health & Social Work, 31, 54-63.
Schmidt, J.
A. (2003). Correlates of reduced misconduct among adolescents facing adversity.
Journal of Youth and Adolescence, 32,
439-452.
Shand, M.
(2014). Understanding and building
resilience with art: A socio-ecological approach. (Unpublished master’s
thesis). Edith Cowan University, Joondalup, Western Australia.
Shin, S. H.
(2005). Need for and actual use of mental health service by adolescents in the
child welfare system. Children and Youth
Services Review, 27, 1071-1083.
Skinner, D., Tsheko, N., Mtero-Munyati,
S., Segwabe, M., Chibatamoto, P., Mfecane, S., ... & Chitiyo, G. (2004). Defining orphaned and vulnerable children. Cape Town: HSRC Press.
Skinner, D., Tsheko, N., Mtero-Munyati,
S., Segwabe, M., Chibatamoto, P., Mfecane, S., ... & Chitiyo, G. (2006). Towards a definition of
orphaned and vulnerable children. AIDS and Behavior, 10, 619-626.
Solomon, R., & Liefeld, C. P. (1998).
Effectiveness of a family support center approach to adolescent mothers: Repeat
pregnancy and school drop-out rates. Family
Relations, 47, 139-144.
Taussig, H. N. (2002). Risk behaviors in maltreated
youth placed in foster care: A longitudinal study of protective and
vulnerability factors. Child Abuse & Neglect, 26, 1179-1199.
Tavares, J. (2011) Resiliência e educação. São Paulo: Cortez.
Thompson, R.
G. Jr., & Auslander, W. F. (2011). Substance use and mental health problems
as predictors of HIV sexual risk behaviors among adolescents in foster care. Health & Social Work, 36, 33-43.
Tierney, J.
P., Grossman, J. B., & Resch, N. L. (1995). Making a difference: An impact study of Big Brothers/Big Sisters. Philadelphia,
PA: Public/Private Ventures.
UNICEF (2007). Situação
mundial da infância 2007: mulheres e
crianças – o duplo
dividendo da igualdade de gênero. Nova Iorque. Disponível em:
http://www.unicef.org.br/U.S.
Department of Health and Human Services, Administration for Children and
Families. (2005). Head Start impact
study: First year findings. Washington, DC.
U.S. Department of Health and Human Services,
Administration for Children and Families, Office of Head Start. (2010). Head Start performance standards & other
regulations. Washington, DC.
Van der Kolk,
B. A., Pynoos, R. S., Cicchetti, D., Cloitre, M., D’Andrea, W., Ford, J. D., …
& Teicher, M. (2009). Proposal to
include a developmental trauma disorder diagnosis for children and adolescents
in DSM-V. (Unpublished manuscript). Retrieved from
http://www.traumacenter.org/announcements/DTD_papers_Oct_09.pdf
Yunes, M. A. M. ; Silveira, S. B. ; Juliano, M. C. ; Pietro, A. T. ; Garcia, N. M. .
(2013). Intervenções psicoeducacionais
positivas em contextos de risco psicossocial. In: Bettina Steren dos
Santos; Lucia. (Org.). Psicopedagogia em Duferentes Cenários. 1ed. Porto
Alegre: EDIPUCRS, v. 1, p. 231-242.
Wathier, J.
L., & Dell’Aglio, D. D. (2007). Depressive symptoms and stressful events in
children and adolescents in the institutionalized context. Revista
de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 29, 305-314.
Weschenfelder. G.V.
(2011). Aspectos educativos das histórias em quadrinhos de super-
heróis e sua importância na formação moral, na
perspectiva da ética. Dissertação
(mestrado em Educação) – Centro Universitário
Westinghouse Learning Corporation. (1969). The impact of Head Start: An evaluation of
the effects of Head Start on children's cognitive and affective development.
In: A report presented to the Office of Economic Opportunity, Ohio University
(1969) (Distributed by Clearinghouse for Federal Scientific and Technical
Information, U.S. Department of Commerce, National Bureau of Standards,
Institute for Applied Technology. PB 184328).
Windle, M., Grunbaum, J. A., Elliott, M., Tortolero,
S. R., Berry, S., Gilliland, J., ... & Schuster, M. (2004). Healthy
passages: A multilevel, multimethod longitudinal study of adolescent health. American Journal of Preventive Medicine, 27,
164-172.
World Health Organization. (2004). Young People’s
Health in Context. Health Behavior in School-aged Children (HBSC) Study: International Report from 2001/2002 Survey:
Health Policy for Children and Adolescents no. 4. Denmark: WHO.
Zhang, X. Y., DeBlois, L., Deniger, M. A., &
Kamanzi, C. (2008). A theory of success for disadvantaged children: Reconceptualization
of social capital in the light of resilience. Alberta Journal of Educational Research, 54, 97-111.
Zigler, E., & Valentine, J. (1979). Project Head Start: A legacy of the war on
poverty. New York:
Free Press.
PUBLICADO EM: PSICOLOGIA: TEORIA E PESQUISA http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722017000100423&lng=pt&tlng=pt