Os
quadrinhos aparecem, inicialmente, como tira de jornal, em 1895, com a
publicação de ‘Yellow Kid’, que teve forte viés cômico. Por volta da
década de 1930, as tirinhas já publicadas em jornais passaram a ser
republicadas em revistas independentes. Assim surgem as revistas de histórias
em quadrinhos (Comic Book), como as conhecemos atualmente. O gênero superaventura
data de 1938, momento em que o personagem, como herói, assume papel
predominante. Isso se deve às condições históricas que engendraram o novo
gênero, como afirma Viana: “a Crise de 1929 traz a necessidade de um indivíduo
forte, resistente, um verdadeiro ‘herói” (2005, p. 22). Para Marny (1970) há,
inclusive, uma ‘divinização do herói’, engendrada por uma necessidade social.
Portanto,
as HQs do gênero superaventura (super-heróis) substituem os quadrinhos com
desenhos caricatos e histórias cômicas. Os super-heróis nascem após a quebra de
Wall Street, que provocou uma catastrófica depressão mundial, quando bancos
foram à falência, pessoas perderam seus empregos e lares, a criminalidade
cresceu e surgiu na Europa um ditador que prometia grandes mudanças (Adolf
Hitler). Segundo Morrison (2012), o palco estava armado para a resposta da
imaginação do Mundo Livre.
Surgia
ali, neste terreno fértil, o gênero das superaventuras e, com eles, a necessidade
do super-herói. Conforme Chopra, “esses super-heróis são desesperadoramente
necessários para solucionar nossas atuais crises em um mundo tomado por
conflitos, terror, guerra, ecodestruição e injustiças sociais e econômicas” (2012,
p.14). As HQs do gênero superaventura
foram produzidas por aqueles que são oprimidos e não conseguem imaginar que são
os próprios agentes de sua libertação e, por isso, jogam suas esperanças nos
heróis. Como estes, na realidade, são praticamente inexistentes, então o herói
dos quadrinhos aparece como o seu substituto imaginário (VIANA, 2005, p.
24).
O
super-herói ganhou vida em meio às crises do século XX, como a Grande
Depressão, o início da Segunda Guerra Mundial, etc. (WESCHENFELDER, 2017). Para
Knowles, o povo norte-americano estava com medo por ter experienciado todos
estes acontecimentos. Assim, os personagens das HQs de superaventura
“proporcionavam conforto e certa fuga da realidade” (2008, p. 23). Com as transformações sociais, a realidade
cultural se transforma, sendo terreno prolífico para a criação desse objeto
cultural. Assim, para Santos, “fazem sentido para os agrupamentos humanos que
as vivem, são resultado de sua história, relacionam-se com as condições
materiais de sua existência” (1987, p. 8). As HQs de superaventura, nessa
ordem, são uma leitura de seu tempo, traduzindo os acontecimentos
históricos/sociais.
Os
super-heróis estimulam virtudes, como a coragem nas crianças, bem como a força
para enfrentar desafios, vencer os medos, proteger os mais fracos, defender
ideais etc. (WESCHENFELDER, 2011). Neste cenário, eles representam os atributos
que os humanos mais admiram em si próprios. Os personagens são mais do que
apenas ídolos, são modelos.
Na
contramão do que muitas pessoas pensam, as HQs (bem como suas adaptações para
os desenhos animados de TV e para o Cinema) não prejudicam a formação da
criança e/ou adolescente. Muito pelo contrário, no confronto do ‘Bem contra o
Mal’, temática recorrente nas HQs, não há indução do leitor/espectador à violência:
os ensinamentos acionam estratégias de resolução de conflitos com dignidade
(WESCHENFELDER, 2011). Assim, as HQs podem vir a ser instrumentos pedagógicos
potentes, principalmente para o encontro de exemplos de superação e
enfrentamento de situações difíceis que remetem ao construto da resiliência
(MASTEN, 2014; WALSH, 2005; YUNES, 2015).
A
Mattel do Brasil, por exemplo, maior fabricante de brinquedos, em conjunto com
o Instituto de pesquisa GFK Indicador, realizou uma pesquisa junto a crianças,
para entender que função os heróis ocupam hoje no imaginário infantil. O estudo
revelou que, dentre outros aspectos, esses personagens têm função essencial na
formação delas. Constatou-se que os super-heróis estimulam suas virtudes, como
a coragem de enfrentar desafios, vencer os medos, proteger os mais fracos,
defender ideais e combater o inaceitável.
Mais do que ídolos, se firmam como modelos a serem seguidos. No entanto,
não são desprovidos de medo e, justamente por isso, são fonte de coragem (GFK
INDICADOR, 2008).
Outro
exemplo emblemático sobre super-heróis e o enfrentamento de situações de
estresse é encontrado com os pacientes da ala de oncologia pediátrica do
Hospital A. C. Camargo Center, em São Paulo. Esse Hospital tornou-se conhecido
por ter ganho uma “super ajuda” no tratamento do câncer infantil, ou melhor,
uma “Super-Fórmula”. Na tentativa de reforçar a esperança das crianças e
alimentar a sua vontade de lutar contra a doença, a ala da oncologia pediátrica
do hospital A. C. Camargo Center foi transformada na ‘Sala da Justiça’, alusão
ao local da equipe de super-heróis das histórias em quadrinhos da DC Comics.
Heróis como ‘Batman’, ‘Aquaman’, ‘Mulher Maravilha’, ‘Lanterna Verde’, entre
outros da ‘Liga da Justiça’, fazem muito sucesso e são populares entre as
crianças. A ala foi toda redecorada: a sala de brinquedos se transformou em
Sala da Justiça, portas e corredores foram adesivados e a fachada ganhou uma
entrada exclusiva para os pequenos heróis, que na verdade eram os pequenos
pacientes que sofriam com diferentes formas de câncer (A.C. CAMARGO CENTER,
2014).
O projeto foi lançado em 2013 e
contempla uma série de ações que foram criadas pela agência JWT. A iniciativa
tem como objetivo oferecer mais leveza ao tratamento do câncer infantil. Não
somente a ambientação dos espaços foram modificados, os recipientes usados na
quimioterapia também foram remodelados e ganharam uma nova roupagem: cápsulas
baseadas nos uniformes dos super-heróis.
A
adaptação de objetos usados pelos super-heróis nos utensílios de medicamentos
traça um paralelo entre as batalhas dos personagens contra o mal e a batalha da
própria criança contra o câncer. Assim, a abordagem trabalha com a ideia de
invencibilidade, na medida em que a criança usa como modelo o super-herói e sua
superpotência que, simbolicamente, irá empoderá-la ao invés de enfraquecê-la.
Dessa maneira, ela passa a acreditar que, assim como o super-herói, ela tem
poderes de enfrentar qualquer desafio, como, por exemplo, a batalha contra sua
doença.
Entretanto, uma ideia pouco
disseminada é que a grande maioria dos super-heróis das HQs sofreram ou ainda
sofrem com adversidades sociais. Entretanto, eles superam as adversidades por
intermédio do empoderamento e poder de enfrentamento dos males e sofrimentos de
diversas formas. Assim, seu simbolismo como uma “ferramenta” de intervenção
psicoeducacional e promotora de resiliência e empoderamento traz importantes
benefícios a crianças e adolescentes no enfrentamento do sofrimento das
adversidades sociais. Projetar estes personagens ficcionais como modelos de
superação e possibilitar que as crianças em momentos vulneráveis de suas vidas
se inspirem para superar seus sofrimentos pode ser um motor propulsor para
fazer uma “virada” (RUTTER, 1987) de grande significado para o resto de suas
vidas.
Estudos,
como o de Weschenfelder (2017), demonstram que é possível realizar paralelos
entre as adversidades da vida real de crianças e jovens desfavorecidos (por
exemplo, por abandono, abuso, etc.) e as histórias de vida ficcionais dos
super-heróis, especialmente no estágio anterior à transformação desses personagens
heroicos representadas por suas “capas e/ou máscaras e fantasias”
(WESCHENFELDER, 2017). Esses últimos aparecem revestidos da simbologia de força
e coragem para combater o crime e o mal, e o inaceitável (WESCHENFELDER, 2011).
Tal fato leva a questionar e investigar quais seriam as implicações clínicas,
sociais, educacionais e políticas dessas semelhanças para a construção de
programas de apoio e promoção de resiliência em diferentes ambientes educativos.