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Artigo: ADVERSIDADES NOS QUADRINHOS: PERCEPÇÕES E CRENÇAS DE LEITORES NO BRASIL

 

Estudos indicam que as crianças em situação de risco psicossocial podem apresentar dificuldades sociais e emocionais ao longo do desenvolvimento com resultados e consequências negativas na vida adulta (PEREIRA, THOMÉ & KOLLER, 2016; ZAPPE & DELL’AGLIO, 2016). Por isso, muitos profissionais da área da saúde, educação, psicologia e outras ciências afins vêm buscando estudar recursos e possibilidades de investimento em pesquisas que tragam conhecimento acerca de intervenções psicoeducacionais positivas direcionadas a populações em vulnerabilidade. Segundo Yunes, Silveira, Juliano, Pietro & Garcia (2013), intervenções positivas buscam auxiliar e apoiar a procura da felicidade e prevenir o impacto de eventos negativos no desenvolvimento, ou seja, significam planejar e “intervir antes que as patologias apareçam, quando o indivíduo, grupo, comunidade ainda estão sãos” (p. 231).



Entre diversos estudos sobre intervenções positivas, podemos citar estudos que utilizam histórias em quadrinhos para promover o enfrentamento de adversidades por pessoas em contextos de risco. Foram examinadas  associações entre as adversidades da vida real das crianças em situação de vulnerabilidade e as adversidades ficcionais vividas por super-heróis das histórias em quadrinhos, com ênfase na fase denominada pré-empoderamento ou Pré-Capa/Pré-Máscara (FRADKIN, WESCHENFELDER & YUNES, 2016; WESCHENFELDER, YUNES, FRADKIN, 2018). Foi constatada alta correlação entre as adversidades experienciadas e relatadas nas histórias dos super-heróis mais populares (por exemplo, o abandono pela família, violência doméstica e abuso) e a vida real das crianças em situação de risco.

Para a maioria das pessoas, as histórias em quadrinhos de super-heróis se restringem ao entretenimento do grande público, principalmente do público infanto-juvenil. Ao longo dos anos, tais personagens ultrapassaram as páginas dos quadrinhos e invadiram o Cinema, as séries de TV e animações. Entretanto, essas histórias em quadrinhos não são singelas como aparentam, pois não trazem apenas entretenimento ao leitor. Mais do que diversão, essas histórias introduzem e abordam de forma vívida algumas questões de suma importância enfrentadas no cotidiano de pessoas “comuns”. São temas ligados à superação de adversidades, construção de identidade pessoal e de gênero, elementos de ética, moral, justiça, enfrentamento de medos, de situações de violência, entre outros (WESCHENFELDER, 2014).

Um estudo revelou, entre outras conclusões, que esses personagens têm função essencial na formação das crianças. Os super-heróis estimulam virtudes nas crianças, como a coragem de enfrentar desafios, vencer os medos, proteger os mais fracos, defender ideais e combater o inaceitável.  Neste cenário, eles representam os atributos que os humanos mais admiram em si próprios. Mais do que ídolos, são modelos a serem respeitados, imitados e recriados. No entanto, não são desprovidos de medo e, justamente por isso, são fonte de coragem (GFK INDICADOR, 2008).

Na análise das HQs, pode-se observar que a grande maioria dos super-heróis passou ou ainda passa na vida ficcional por algum tipo de vulnerabilidade ou adversidade social. São questões de orfandade, bullying, assassinato dos pais ou de um membro familiar, exploração infantil, violência física e sexual, dramas emocionais, deficiência física etc. (FRADKIN, WESCHENFELDER & YUNES, 2016). No entanto, nessas histórias, as adversidades vivenciadas não limitaram estes personagens, muito pelo contrário, fizeram com que os mesmos se empoderassem e assim se tornassem os super-heróis.

Estes exemplos podem ser usados para o planejamento de intervenções positivas utilizando-se a figura dos super-heróis e suas histórias na Pré-Capa/Pré-Máscara (FRADKIN, WESCHENFELDER & YUNES, 2016; WESCHENFELDER, YUNES, FRADKIN, 2018). Nessas intervenções, a proposta é mostrar/demonstrar as habilidades dos personagens, para que as mesmas sejam fontes de exemplos de empoderamento para crianças e adolescentes, em suas situações de adversidades.

Alguns estudos revelam que os super-heróis das histórias em quadrinhos podem ser exemplos de valores morais (WESCHENFELDER, 2014; WESCHENFELDER, 2011). Estes personagens são também usados em intervenções na área social e da saúde, como por exemplo, a intervenção ‘Super-Fórmula’ no Hospital A. C. Camargo. Para ampliar a eficácia da ação, a JWT, Warner Bros., Vetor Zero e os médicos da Pediatria do A.C.Camargo trabalham juntos na criação e produção de uma série especial de desenhos animados e gibis, onde os próprios heróis vivem uma história semelhante à da criança com câncer e se recuperam através dessa Superfórmula. "O tratamento, principalmente no começo, é muito assustador tanto para a criança quanto para a família. O projeto Superfórmula ajuda no entendimento da doença e desperta nas crianças e adolescentes ainda mais forças para enfrentar a dor e superar os problemas ao longo do tratamento para, ao final, ficar bem. Os pacientes são os verdadeiros super-heróis, e seu poder é acreditar na cura" (A.C. CAMARGO CENTER, 2014).

Aqui teria que falar que é importante que se possa compreender como os leitores de HQs percebem as histórias de super-heróis, para subsidiar intervenções direcionadas à prevenção e promoção de saúde. Diante dessas considerações iniciais, este estudo teve por objetivo investigar percepções e crenças dos leitores de HQs de diferentes idades sobre as adversidades e riscos psicossociais desses personagens do gênero superaventura, como recursos inspiradores e geradores de resiliência em programas de intervenção para crianças e adolescentes em diferentes contextos educacionais.

 

2. O PERCURSO DA JORNADA

2.1. DELINEAMENTO

 

Um estudo exploratório descritivo foi realizado, a partir de um survey online, com amostra não probabilística (Freitas, Oliveira, Saccol, & Moscarola, 2000). A técnica de investigação escolhida possibilitou atingir um número suficiente de pessoas por não requerer a presença do pesquisador para ser respondida. A estratégia permite que as pessoas respondam no momento em que julgam mais convenientes e não os expõe ao julgamento ou influência das opiniões e do aspecto pessoal do entrevistador (GIL, 2009; MARCONI, LAKATOS, 2013). Segundo Schneiderman (1998) “muitas pessoas preferem preencher um questionário apresentado na tela do que impresso” (p. 639). Observa-se também que, além do baixo custo e rapidez, a pesquisa via Web tem outras vantagens, como explica Adriana Dias, diretora de pesquisas online do Diga-me do portal do Instituto de Pesquisa Econômicas Sociais, “diante do computador, as pessoas não se sentem inibidas e tendem a ser mais verdadeiras. A receptividade fica aumentada pelo fato do entrevistado responder às perguntas no local e no momento de sua preferência” (SOUZA, p. 36, 2000).

 

2.2. INSTRUMENTO

 

Foi utilizado um questionário online, elaborado para este estudo, aplicado virtualmente pelo google.docs com 16 perguntas (oito abertas e oito fechadas). O objetivo do questionário era compreender a percepção de leitores de histórias de quadrinhos de superaventura, quanto à fase que antecede os superpoderes, denominada pré-capa/pré-mascara (FRADKIN et AL., 2016; WESCHENFELDER et AL., 2018). O questionário explorou, além do perfil do entrevistado, como os leitores percebem as adversidades vivenciadas dentro dos enredos das histórias em quadrinhos e se os personagens do gênero de superaventura podem ser compreendidos como potenciais modelos de inspiração para crianças e adolescentes.

 

2.3. PROCEDIEMNTO

 

O questionário ficou online na plataforma Google docs, para coleta de dados, pelo período de 02 meses. Os convites para responder ao questionário foram enviados via e-mail e por meio de redes sociais.  Teve inicialmente um termo de consentimento e logo após acesso as questões.

 

2.4. PARTICIPANTES

 

Participaram do estudo 115 pessoas, leitores de histórias em quadrinhos de aventura, que responderam ao questionário. A maioria é do sexo masculino (84%), com idade entre 18 e 70 anos, sendo que predominaram pessoas com mais de 21 anos de idade (64%). Quanto à escolaridade, 23,4% estavam estudando ou já concluíram o Ensino de Educação Básica; 69,9% estavam cursando ou já haviam concluído o ensino superior (Matriculados no Ensino Superior ou já se graduaram 46,1%, e cursando ou já concluíram algum curso de Pós-Graduação (Especialização, Mestrado, Doutorado e Pós Doc.) somam 30,4%). Esses dados acerca da escolaridade de leitores de HQs são consistentes com os de uma pesquisa realizada em 2001 pela Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (ESAMAC) com três (3) mil leitores. Os achados confirmam que as histórias de super-heróis não são somente voltadas para o público jovem, mas inclui pessoas mais velhas (adultos) e com curso superior no Brasil. (CARVALHO, 2006).

Entre as profissões apontadas pelos respondentes, chama a atenção o número de docentes, os quais somam 23%. Os que se revelaram docentes de Educação Básica totalizam 18% e docentes do Ensino Superior 5%. Estudantes somam 19%. Nesta pesquisa foram encontradas uma variedade de outras 50 profissões: advogados, jornalistas, historiadores, publicitários, policiais, ilustradores, Assistente sociais entre outros.

 

 

3. SUPER-HERÓIS COMO FONTE DE INSPIRAÇÃO

 

Questionados sobre a editora de super-heróis de sua preferência, 53,6% responderam Marvel Comics, contra 46,4% DC Comics. Questionados sobre seu super-herói favorito, foram citados 36 personagens (super-heróis e times de super-heróis), sendo que 21% dos entrevistados escolheram Batman; 16% escolheram o Homem Aranha e os super-heróis Demolidor, Shazam e Wolverine ficaram com 5% cada. A Mulher Maravilha e o Superman obtiveram a preferência de 4 % dos entrevistados. O Ciclope e Lanterna Verde apenas 3% e Arqueiro Verde, Capitão América, Deadpool, Rorschach, X-men e Surfista Prateado restaram com 2% de indicações de favoritismo. 

Nota-se aqui que, ambos os super-heróis apontados como favoritos por parcela significativa dos entrevistados, sofreram adversidades em suas infâncias ou adolescências. Isso ocorreu na fase Pré-Máscara/Pré-Capa (FRADKIN, WESCHENFELDER & YUNES, 2016) ou pré-empoderamento.  O Batman, por exemplo, aos 12 anos viu seus pais serem assassinados em sua frente.  O Homem Aranha era órfão e foi criado pelos tios com muitas limitações econômicas. O Demolidor perdeu a visão em um acidente com lixo radioativo e o Shazam era um órfão que foi abandonado. Por último, mas não o último, o Wolverine teve perda de memória e foi usado como cobaia em experimentos científicos.

Um resultado contundente da presente pesquisa é a evidência de que 95,6 % dos questionados acreditam que os super-heróis das HQs podem vir a serem modelos de inspiração para crianças e adolescentes. Eles também apontam que o contato com a cultura pop, como por exemplo, com os super-heróis, pode promover o desenvolvimento de valores morais, tais como: coragem, honestidade, justiça, respeito, solidariedade entre outros atributos que promovem a capacitação, qualidade de vida, bem-estar coletivo e resiliência pessoal ou da comunidade.

Perguntados sobre “que temas ligados a modelos ou inspiração de comportamentos, você, como leitor de HQs, percebe que, os quadrinhos possuem para crianças e adolescentes? ” à análise possibilitou enumerar 288 temas de inspiração e modelos. Na pergunta, cada respondente, tinha a opção de registrar até 5 (cinco) temas. Os mais citados foram: Responsabilidade, Superação, Senso de Justiça, Amizade, Respeito, Perseverança, Honra, Honestidade, Força de Vontade, Ética, Determinação, Coragem, Altruísmo, Ajudar o Próximo, Solidariedade entre outros.

Ao que esses achados indicam, este recurso mostra um enorme potencial para o desenvolvimento de intervenções psicoeducacionais e apoio às políticas sociais e de saúde pública (FRADKIN, et al, 2016; WESCHENFELDER et al, 2017). Irwin (2005) afirma que os personagens das superaventuras enfrentam as mesmas questões que cada ser humano se depara diariamente. Segundo o autor, os leitores compreendem melhor estas ações e refletem sobre o que realizar para enfrentar tais questões. Chopra (2012) argumenta que as grandes histórias dos super-heróis são as nossas histórias, as metáforas dos conflitos que enfrentamos na vida e os poderes (ou como afirma ele, sabedoria interior), que precisamos garimpar dentro de nós mesmos para assim superar estes desafios e assim evoluir. Essa noção é compatível com o construto de resiliência na Psicologia (MASTEN, 2015; YUNES, 2015 entre outros). Continua o autor Chopra:

 

O ambiente, os personagens e a trama se combinam para criar grandes histórias mitológicas do bem contra o mal, mas os desafios com que esses heróis se deparam ecoam nossas próprias experiências. Eles se mostram em nossa vida como conflitos emocionais com aqueles que amamos e com os quais trabalhamos (ibid., p.23).

 

Uma outra questão que este estudo buscou responder foi se na perspectiva dos leitores de HQs no Brasil, ‘Os super-heróis podem vir a se tornar modelos ou fonte de inspiração aos seus leitores’. Esses resultados sugerem que sim. Ainda, segundo Morrison (2012), a resposta é também afirmativa pois os quadrinhos de super-heróis lidam diretamente com elementos da experiência humana, e todos nós podemos fazer um paralelo. Campbell (2012), referência mundial nessa temática, argumenta também a favor e alega que na jornada do herói, o personagem traz aspectos da vida humana. Ele refere-se ao cair e depois levantar e o que realizar nesse processo de recuperação. Esta etapa da jornada do personagem é que pode ser a fonte de inspiração. Morrison (2012) indica ainda que devemos escutar o que estas histórias têm a nos dizer, pois, os super-heróis nos ajudam a enfrentar e resolver até mesmo crises existenciais (p.16).

De acordo com Carvalho (2006), os super-heróis são como modelos míticos, representam ideias e valores que nos ajudam a entender melhor o mundo a nossa volta. Por meio de suas superaventuras estes representam valores vigentes, tem a capacidade de satisfazer as necessidades de seu público (p.47), assim se tornando símbolos. Tillich (1985) apresenta o símbolo como algo que nos leva a níveis da realidade que, segundo ele, não fosse ele (o símbolo), nos permaneceriam inacessíveis (p.31). E continua:

 

O Símbolo abre dimensões e estruturas da nossa alma que correspondem às dimensões e estruturas da realidade. Um grande drama não nos dá apenas uma nova intuição no mundo dos homens, mas também revela profundezas ocultas do nosso próprio ser (p. 31).

 

Os entrevistados neste estudo foram questionados se acreditam que, os super-heróis podem vir a auxiliar na promoção e desenvolvimento de qualidades. 95,6% responderam positivamente, ou seja, afirmaram que os super-heróis podem vir a auxiliar na promoção e desenvolvimento em diversas qualidades. Neste aspecto, foram levantados 209 qualidades com os seguintes destaques em número de citações: Coragem (27); Justiça e honestidade (14); Respeito (13); Solidariedade (12); responsabilidade (12); Determinação (10); Honra, Força de vontade, altruísmo (9 cada); Perseverança, criatividade, bondade e amizade (8 cada); Superação (7); Trabalho em equipe, persistência, inteligência, ética e companheirismo (6 cada); Compaixão, empatia, esperança, lealdade, senso de justiça (5 cada); Liderança e humildade (4 cada); Confiança, fé, filantropia, força, fraternidade, moral e tolerância (3 cada); Ajudar o próximo, ambição, amor ao próximo, atenção, autoconhecimento, autocontrole, cidadania, dedicação, dignidade, educação, esforço, generosidade, humanidade, igualdade, inspirar as pessoas, otimismo, raciocínio, senso crítico e sinceridade (2 cada).

Estes dados são compatíveis com o estudo já referido do GFK Indicador, que revelou que, que esses personagens têm função essencial na formação dos indivíduos. Os super-heróis estimulam virtudes, tais como: coragem de enfrentar desafios, vencer os medos, proteger os mais fracos, defender ideais e combater o inaceitável.  Mais do que ídolos, são modelos a serem respeitados, imitados e recriados. No entanto, não são desprovidos de medo e, justamente por isso, são fonte de coragem em situações difíceis (GFK INDICADOR, 2008).

 

4. ADVERSIDADES VIVIDAS PELOS SUPER-HERÓIS

 

Questionados sobre as adversidades vividas dos personagens super-heróis 100% responderam reconhecer tais fatos referentes a sofrimentos nas vidas dos personagens. No questionário foi pedido que listassem as adversidades vividas pelos super-heróis nas HQs. Foram citadas em torno de 80 adversidades e as mais apontadas foram: Assassinato de um membro familiar (32%); Órfanidade (12%); Preconceito e Bullying (11%); entre outros.

Com relação ao questionamento de que as histórias em quadrinhos de super-heróis se restringem apenas ao entretenimento do grande público, principalmente do público infanto-juvenil, a grande maioria dos questionados, que representam 83%, dizem que as HQs são instrumentos de divertimento, mas não somente para o público infanto-juvenil. Estes relatam que, há enredos e temas adultos e temas de abrangência intelectual nas páginas das superaventuras.

Estes ainda justificam que, aqueles que pensam desta forma, não possuem conhecimento profundo do que é publicado hoje nas páginas de uma HQ. Justificam ainda que, este argumento é fruto do senso comum de uma cultura que atualmente está já ultrapassada. Há aqueles que, argumentam que os enredos das histórias são temas de profundidade (tratando questões sociais, teológicas, filosóficas, antropológicas, políticas, etc.), e por isso discordam completamente com o questionamento, afirmando que os quadrinhos de superaventura são hoje literatura adulta e não mais infantil. Outra informação que aparece, associado ao discurso contrário a afirmação acima, é dizer que, hoje crianças e adolescentes estão distantes das HQs, voltadas mais ao universo expandido que esta cultura disponibiliza atualmente, tais como: games, séries animadas, séries de TV, Cinema, brinquedos e etc.

Questionados se já sofreram alguma adversidade ou situação de risco, 56% dos entrevistados responderam que sim, e 44 % responderam que não. Dos que responderam afirmativamente, foram esses os riscos citados: Assalto (17%); Envolvimento com crime (16%); Depressão e algum tipo de doença (13%); Bullying e preconceito (12%); Perda de um ente querido ou familiar (11%); Abuso físico (9%); Desemprego (7%); Problemas familiares, alcoolismo e separação dos pais (7%); Limitações econômicas (4%); Abuso sexual (1%) e Moradia em risco (1%).

Tal achado é consistente com os dados apresentados na pesquisa acerca da fase pré-empoderamento nomeada Pré-Máscara/Pré-Capa (FRADKIN, WESCHENFELDER & YUNES, 2016), na qual são apresentadas as adversidades e situações de risco que os super-heróis enfrentaram ou enfrentam. Nota-se que as mesmas também são ou foram vividas pelos entrevistados.

Indagados se já se sentiram influenciados por um personagem de superaventura, 73% dos entrevistados responderam que sim. Estes comentam que, os super-heróis são modelos de comportamento; são fontes de aprendizado, de ética; fontes de inspiração e de caráter diante as adversidades.  Apresentam questões sobre criatividade e questões científicas, que influenciam o leitor a estudar e buscar soluções (científicas ou humanas). Alguns comentam que são influenciados diretamente, até em suas profissões em cargos de lideranças e organização de equipes, como nos supertimes Vingadores e Liga da Justiça. Para outros, as superaventuras apresentam ideais a seguir, como por exemplo: “independente da situação você é compelido a fazer o que é certo sempre e não o que é mais fácil” Para a maioria dos entrevistados os super-heróis foram exemplos na infância, aquele que transmitia a vontade de ajudar o próximo e desenvolver senso de justiça.

As questões sobre gênero também foram apresentadas pelos entrevistados que lembraram ações apresentadas principalmente pelas personagens femininas (como por exemplo, Mulher-Maravilha e Capitã Marvel), que demonstram que as mulheres podem trabalhar em igualdade com qualquer homem, independente de tamanho, força e que suas capacidades são as mesmas.

Em comentários a respeito da questão relativa às influências dos super-heróis em suas vidas, a grande maioria responde afirmativamente. Acrescentam que há uma relação entre o ficcional e a realidade e que as dificuldades vividas pelos personagens de superaventura são as mesmas que todo ser humano enfrenta diariamente. Ademais, as atitudes e ações sobre estas questões são expoentes para seus leitores se influenciarem e seguir estas ações.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

As políticas sociais de atendimento infanto-juvenil com vistas ao desenvolvimento psicossocial e educação sistemática para melhores condições de vida e convivência ainda se encontram em estágios rudimentares. Possibilitar que crianças e adolescentes em situações de risco psicossocial tenham oportunidades justas de desenvolvimento é a meta que se deseja alcançar num país que luta por igualdade social. É importante que pesquisadores, profissionais da área da saúde, pais e educadores se esforcem para dar a todas as crianças as oportunidades necessárias para o desenvolvimento saudável. Porém, os recursos sociais, na maioria das vezes, são ofertados de forma pouco igualitária e justa.

Os resultados demonstraram que, embora a maioria dos respondentes esteja na fase de desenvolvimento caracterizada como adulta, todos os entrevistados reconhecem que os personagens super heróicos enfrentaram dificuldades e sofrimentos durante a infância e/ou adolescência e citam: Bullying, orfandade, assassinato de um membro familiar, exploração sexual, exploração de menores, preconceitos, dificuldades financeiras, solidão. Ademais, 95,6% acreditam que os super-heróis são modelos positivos e podem inspirar expressões de resiliência em crianças e adolescentes que vivem diferentes adversidades. Questionados sobre seu super-herói favorito, ficou evidente que os personagens escolhidos sofreram adversidades em suas infâncias ou adolescências, especialmente na fase Pré-Máscara/Pré-Capa (FRADKIN, WESCHENFELDER & YUNES, 2016; WESCHENFELDER, YUNES, FRADKIN, 2018), que caracteriza o momento que antecede o empoderamento. Os respondentes ainda apontaram que o contato com a cultura pop desde a infância em suas vidas, é percebido como propulsor do desenvolvimento de valores morais, tais como: coragem, honestidade, justiça, respeito, solidariedade entre outros atributos que promovem a qualidade de vida, bem-estar pessoal/coletivo e resiliência individual ou comunitária.  Este recurso ainda inexplorado parece apresentar um enorme potencial para o desenvolvimento de programas de intervenções psicoeducacionais em diferentes contextos educativos e servir de apoio e subsídio às políticas sociais, educacionais e de saúde na infância e adolescência.

Nota-se nesta pesquisa, e assim como no estudo da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação (ESAMAC), que a grande maioria dos leitores de histórias em quadrinhos de superaventura, já na fase adulta, estão cursando ou já cursaram o Ensino Superior. Nesta, demonstrou-se que 76,5% dos entrevistados estão cursando ou já concluíram o Ensino Superior. A pesquisa realizada pela ESAMAC, vem mostrar ainda que o leitor de quadrinhos em sua maioria possui um maior desempenho escolar e hábitos de leitura em diversos gêneros (CARVALHO, 2006). Isso ressalta que as HQs podem vir a auxiliar e apoiar a formação cognitiva e educacional formal e não formal do indivíduo.

O estudo nesse Capítulo, apontou ainda que, os super-heróis apontados como favoritos pelos entrevistados viveram adversidades, e que as mesmas são muitas vezes vivenciadas por inúmeras pessoas. Assim, concordam que o super-herói pode vir a ser uma fonte de inspiração para seus leitores, e os empoderarem, mostrando como se comportar diante de adversidades que a vida lhe apresenta. Estes afirmam que os personagens de superaventura (super-heróis), são fontes de inspiração e podem vir a auxiliar na promoção de desenvolvimento de qualidades para seus leitores, coragem, enfrentamento de problemas e desafios, busca da justiça e a honestidade, responsabilidade e ser solidário, ter força de vontade, determinação e perseverança entre outras qualidades são mencionadas como elementos de educação moral neste estudo. Este recurso mostra um enorme potencial para o desenvolvimento de intervenções psicoeducacionais e de apoio às políticas sócio-educacionais e de saúde pública.

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

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