Sweet Tooth foi publicada entre 2009 e 2013, com 40 edições. Criada e produzida pelo escritor e ilustrador Jeff Lemire, a série tem como cenário um futuro pós-apocalíptico e se dá dez anos após um evento conhecido como "O Flagelo" devastar o Planeta Terra. Neste cenário nasce uma nova espécie, crianças híbridas entre humanos e animais, inclusive o protagonista Gus, um garoto cervo. Estas crianças são perseguidas pela humanidade, por serem imunes ao vírus, há suspeita de culpa por esta nova espécie ser a culpada pelo vírus existir. Movido por esta falsa ideia e motivados pelo ódio são caçadas como demônios na Terra. Esta HQ foi indicada em 2010, ao Prêmio Eisner, a categoria Melhor Nova Série, e por seu trabalho Lemire foi indicado ao mesmo prêmio na categoria Melhor Escritor, em 2013.
A HQ Sweet Tooth traz traços de um mundo violento e sombrio; já a adaptação para a Netflix apresenta uma nova roupagem, mais leve, com tons bem mais esperançosos do que o quadrinho.
A série faz bastante referências ao que está acontecendo neste momento atual e o enfrentamento a pandemia Covid-19 (fazendo paralelo com o vírus ‘Flagelo’). A luta contra Fake News e até menções a negacionistas. Diante de tudo isso que estamos enfrentando, o enredo da série traz um suspiro, um alento, uma perspectiva positiva diante da pandemia. Um grito de esperança que muito está trancado na garganta.
O personagem Gus, parte em uma jornada em busca da suposta mãe, voltar a ter uma família (SPOILER - pois seu suposto pai faleceu). Procura achar o melhor nas pessoas, de certa forma até os transforma, buscando dentro de si, a força para sua jornada, uma caminhada para saber quem é, um auto conhecer. “Nem sempre sabemos o que é certo. Crescer é assim”, frase que o pai de Gus refere a ele sobre os dilemas da vida e dilemas éticos e o quanto vale a intenção de nossos atos.
Há um discurso de aceitar quem você é, e a partir disso ver o seu potencial para o meio em que está inserido, Assim como o filósofo Aristóteles traz em sua Ética a Nicômaco, precisamos nos conhecer, e colocar em prol da sociedade, nossas potencialidades, assim essa nos aceita como um igual.
Mas falando de jornada, outros personagens coadjuvantes, traçam seus percursos também. Uma jornada de conhecimento onde, o narrador da história relata que “nem sempre percebemos que, quando abrimos mão de algo, e que isso abre espaço para cresceremos”. Se despir da culpa, do passado, remorsos podem auxiliar a ver tudo em torno com olhar diferente, e até a nós mesmos, assim um espaço para o crescimento, conhecimento de cada um, assim poder seguir o que temos dentro de nós, encontrar nosso verdadeiro Eu.
“Se conseguirmos ver além do medo, descobrimos o que realmente importa. E aprendemos que, às vezes aquilo que nos separa, também nos une”. O personagem Gus traz um ser virtuoso, segundo o que define o filósofo Aristóteles, é uma disposição para fazer o bem, ela é o próprio bem, em espírito e verdade. Gus, é o personagem que une; procurar encontrar o melhor nas pessoas; perseverar; busca o que é justo, transformando a vida de todos em sua volta, até inimigos se tornarem parceiros.
Gus é um ser esperançoso, procura encontrar sua suposta mãe (SPOILER) já que seu conhecido pai faleceu. A esperança é a força motora do personagem; também é a força motora da humanidade, o que nos faz levantar toda manhã, querer seguir em frente, lutar, conquistar, conhecer. Mesmo seus colegas de jornada, serem pessimistas diante da esperança do menino, Gus incorpora a definição de Heráclito, quando descreve que “se não se espera, não se encontrará o inesperado, pois ele não é encontrável e é sem acesso”.
Gus é a personificação da esperança, em sua jornada, tudo é novo, tudo é um aprendizado, mesmo sabendo que o mundo está em um caos. Aqui o personagem vem trazer um conceito que a esperança é o contrário do desespero, que aciona a cometermos atos desesperados, e sim, tornar ou manter o caos instaurado.
Porém, mesmo em situações desesperadoras, há possibilidade de conduzir a um novo esperançar. Para Mario Sergio Cortela “a coisa mais importante que você e eu podemos ter na vida quando a gente não tem nenhuma outra coisa é esperança. Mas tem que ser esperança do verbo esperançar, porque tem gente que tem esperança do verbo esperar”, Gus é esta personificação, em pleno caos, é alguém que possui, um olhar positivo sobre tudo. Um olhar de transformar.
Para o filósofo francês Comte-Sponville, “a esperança e o temor não são dois contrários, mas antes as duas faces da mesma moeda: nunca temos uma sem a outra. O contrário de esperar não é temer; o contrário de esperar é saber, poder e gozar”. Para o filósofo, a esperança é uma expectativa; esperamos, desejamos algo por termos, no caso de Gus conhecer a mãe. Analisando sua definição, Comte-Sponville nos diz que esperar é desejar sem conhecer, daquilo que não temos certeza. Na própria série há uma passagem, quando Gus fica sabendo que (SPOILER) é fruto de uma experiência em laboratório, que não possui pais biológicos. Descobre que às vezes a verdade dói, e às vezes as respostas que buscamos, nos deixam mais na escuridão do que nunca. Porém isso não tira a sua luz interior, e sua motivação de ver o mundo diferente. Assim cria novas esperanças, e se vê em um novo horizonte possível, em uma nova jornada, onde um outro mundo é possível, sem ódio ou perseguição. Refletindo o aspecto de Heráclito na qual a “esperança não é esperar, é caminhar”.
Gelson Weschenfelder - Filósofo dos Quadrinhos
Pesquisador/ Escritor/ Professor
Doutor e Mestre em Educação, Graduado em Filosofia.
Vencedor dos Prêmios: Jovem Cientista, Rede Sapiens, Livro do
Ano, Sua Pesquisa em 3 Minutos.
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